Tem-se se tornado comum, desde quando mais velho fiquei, não apenas na vida em família, assim como na seara profissional, atribuir-me fatos, desventuras, falcatruas, deslizes, toda a sorte de infortúnios como sendo da minha alçada, quando eu, ombros ainda fortes, talvez não mereça o que dizem de mim. E imputem a minha pessoa coisas que em absoluto não tenha dito ou feito.
Diz um ditado, não sei quem foi o autor, que dita: “falem mal mas falem de mim”.
O Brasil se notabilizou por colocar debaixo do balaio acontecimentos nocivos, roubalheiras que deixam rastro, muitas vezes descobrem os culpados, são ou não punidos, e logo retornam ao crime, como observei no meu livro de nome O Mundo das Sombras, que bem retrata a vida nas cadeias em todo o país. Um dos meus personagens, eleito ao acaso, quando naquela subvida adentrei, por minha conta e responsabilidade, o Lazão, um enorme negro corpulento, olhos de criança pega em flagrante delito, e jurava que não foi ela quem comeu o naco de rapadura escondido na cômoda escura, que ali mora (entre barras de ferro corroídas pela ferrugem dos anos e descaso) desde quando o desde era novinho, em dias de bebedeira, sem saber o que fazia, ceifou a vida a facadas de algumas mulheres de má fama, as quais a ele tentaram enfrentar, como se fosse possível dar cabo de um leão faminto apenas munido de um pedaço de bambu carunchado. O Lazão era um preso modelo. Bem visto e quisto pelos colegas, não sei se pela fama de cruel, ou pelo seu porte avantajado. Quando a sua pena findava ele era posto no olho da rua. Mas, sem trabalho, sem teto, sem afeto, em poucos dias reincidia no crime, e voltava a mesma cela com a cara melhor do mundo, alegre por voltar ao lar doce lar.
Talvez, quem saberia dizer, a culpa que a sociedade omissa despejava sobre os ombros do Lazão fosse por demais pesada para ele. E muitos outros iguais.
Hoje, dia vinte de março, segunda-feira, subsequente a um final de semana de chuvas e tempestades, de raios que riscavam os céus e trovões ruidosos, eu não passei o fim de semana na cidade e sim numa linda casa beira lago, em boa companhia de meus dois cães e do meu computador andejo, ao descer a rua, em direção onde estou a escrever, por enquanto, antes das oito da manhã, observei, olhos assustados os resultados da chuvarada do final de semana. O céu de agora ainda não mostra sinais de contentamento, longe de a chuva dar o ar de ir embora.
Os meio fios estavam cheios de restos de lixo. Os passeios ainda com sinais da enchente que desabrigou famílias inteiras, graças as bocas de lobo entupidas, ao escoamento de águas pluviais deficientes. O que se via nas ruas da parte alta da cidade nem de longe ensejavam o que de fato acontecera nas ruas de menor declive, na zona sul, por exemplo. Barro, lama, bueiros sujos pelas bocas, e outros sintomas da situação de calamidade pública que a linda Lavras, com sua Praça Augusto Silva, lindo e onírico cartão postal da cidade, quase refeita do susto de ontem e antes de ontem, mas ainda resta muito trabalho a fazer. A prefeitura, nesta altura da manhã, que logo vai se transformar em tarde, depois sobrevém a noite, deve estar com o telefone tão ocupado, que talvez o tenham tirado do gancho.
Em pouco tempo a cidade, sem a chuva o que seria do campo, da roça de milho que não cresce e emboneca sem sua presença tão esperada, mas o sol deve ser intercalado com as águas de março, final do verão, vai mostrar indícios seguros de recuperação. Com certeza exata. É só dar um tempo ao poder executivo, que ele logo executará sua nobilíssima missão.
Mas, voltando à ideia do título da minha crônica de agora : “não nos joguem aos ombros culpa maior que não temos”, gostaria de expressar minha humílima opinião.
“Cada povo tem o desgoverno que merece”. Não fui eu quem disse isso. Não importa de quem partiu tal frase célebre (hoje, no portal UOL, vi uma notícia que me fez assustadiço. Os partidários de um certo ex-presidente, de uma sigla partidária com duas letrinhas somente, querem articular sua candidatura à presidência antes que ele vire colega do Lazão). Tomara que não.
Um dia destes, ao subir pela mesma rua principal, como sempre faço, usando as pernas ao invés de carro, detesto autos, eles me estressam, vi algumas pessoas atirando lixo nas calçadas, mesmo ao constatarem a presença de lixeiras dependuradas aos postes. Uma delas, ainda jovem, como eu fui, num passado remoto, a minha frente jogou uma guimba de cigarro, ainda fumegando, na saia de uma mocinha desavisada. Só não aconteceu uma tragédia em suas lindas pernocas grossas por uma lufada de sorte dela. Um ventinho salvador apagou a chama incipiente, mas não deu conta de apagar a doce lembrança das suas lindas pernas sem nenhum sinal de varizes evidente.
Hoje a cidade onde moro, a qual amo de coração, acordou ressaquenta frente a chuvadonha do fim de semana.
A prefeitura, pobre dela, e de quem nos dirige, cheio de boas intenções, tenta fazer da calamidade uma solução contra a dissolução.
Mas, ao ver, em dias normais, dias de sóis amarelos, sem chuva a deixar no desespero a população, cidadãos, entre aspas, jogando lixo no chão, que irão entupir as bocas de lobo, provocando transbordamento dos riachos, não tão puros como os olhos da criança ainda sem maldade, penso nos ombros meus e do prefeito municipal, que por sinal é colega de especialidade. E muito competente no que faz com o dedo indicador da mão direita.
De quem é a responsabilidade pelo acontecido? Tão somente dos ombros nossos, ou melhor, dele?
Da responsabilidade da carga que me lançam aos ombros cuido eu. Mas de uma cidade inteira, sobre quem recai todo o peso das desventuras do mundo?
Por favor. Para não cansá-los demasiadamente, dividam a carga sobre os ombros não apenas meus. Não nos lancem aos ombros culpa maior do que não temos. Dividamo-las, pelo menos.