Amanheceu sexta feira. Dia quente. Nuvens escuras tapavam a boca do sol.
Acordei sem vontade de deixar a cama. Quase não consegui pregar os olhos.
Aliás, a insônia tem me perturbado. Durmo quase nada e acordo em sobressalto.
Nem sempre foi assim. Jovem ainda dormia como uma criança inocente. Pensando apenas no presente que iria ganhar no meu aniversário. Que se daria não mês entrante.
Com o tempo passando. Com os anos se amontoando. Com as responsabilidades somando-se a minha idade o sono deixou de ser prioridade na minha vida. Pensei em me casar. Uma amiga do colégio era tudo aquilo que pretendia ficar pra sempre. Mas o pra sempre não se eternizou como pretendia. Elazinha acabou me trocando por um rapaz mais endinheirado. E eu fiquei só com meus pensamentos vagabundeando longe.
Anos depois me casei. Não fui feliz. Mais uma vez me deixaram a ver navios num porto imaginário. Continuei solitário. Por sorte não tivemos fillhos.
A sexta se sucedeu num sábado. Ainda pensando na vida cada vez mais descria dela. Não tinha motivos nenhum para ser feliz. A cinzentice dos dias me corroia as entranhas. Nada me fazia alegrar.
Vivendo somente eu. Num apartamento alugado. Sem emprego, precisando trabalhar, perambulava pelas ruas. Batendo em portas fechadas. Sendo preterido por outros mais gabaritados. Lá ia eu sem saber pra onde ir. Perdido nas minhas aflições que eram tantas.
Domingo me recebeu de semblante carregado. Chovia mansamente. O céu, emburrado, parecia me convidar pra lá morar. Quase aceitei. Naquela manhã cinzenta quase saltei de uma ponte por sobre um rio que deveria chegar ao mar. Fui resgatado do meu desejo por uma alma boa que se compadeceu de mim.
Segunda me recebeu do mesmo jeitinho. Prestes a ser despejado do meu apartamento por falta de pagar o aluguel. Sem dinheiro, sem emprego, ao passar por uma praça me acostei num banco. Num cochilo curto sonhei em me livrar dos problemas. Qual seria a solução melhor? Empregar-me num bom emprego? Retomar os estudos? Tinha parado no segundo grau. Nada daquilo me pareceu viável. Sem ganas meu mundo desabava.
Eis que amanhece terça feira. Era outubro em sua metade. Mais um dia morto como me sentia. De nada adiantavam remédios para dormir. Eles não faziam efeito. Mais uma vez uma sensação estranha me tomava os pensamentos. Imaginei que havia me mudado de endereço e fui morar no céu. Quase dei fim as minhas inquietações. Salvei-me por sorte, ou seria azar, de morrer atropelado por um ônibus em movimento.
A quarta feira me recebeu com a mesma tristeza dos outros dias. Conquanto o sol brilhasse lá no alto acinzentava-se dentro de mim. Mais um dia perdido. Mais uma noite sem vontade de viver.
Outra quinta. Nasce outro dia. E eu nem queria ter nascido. Mas nasceram-me contra a minha vontade. Sem jeito de retroceder.
Naquela noite escura acendi a luz. Abri a janela. Lá fora a escuridão me disse boa noite. E eu nem respondi.
A janela do meu apartamento dava pra rua. Morava no décimo andar. Quase prestes a ser despejado, devendo uma infinidade de meses, fazer o quê?
No dia seguinte dormi ao relento no mesmo banco da praça onde passei horas pensando na vida que tenho levado. E que vida era aquela? Sem eira bem beira. Sem amor sem amada. Percorrendo estradas sem saber pra onde ir.
Mais um dia infeliz. Por que continuar a viver assim?
Se não tenho morada. Nem ao menos companhia para repartir minha dor. Nada mais me resta senão me mudar pra outra vida. Mesmo desconhecendo se ela existe. Quem sabe seria a melhor decisão.
Segunda feira apareceu do nada. Sem pedir licença a ela dei.
Andando na rua. De um lado ao outro. Ao atravessar a avenida fechei os olhos num ímpeto. E me deixei atropelar por um auto em movimento.
Não sei quem recolheu meus restos mortais. Nem ao menos pra onde me mudei. Se sou feliz, agora não sei.