Melhor nem pensar

Enquanto houver vida deveria haver esperança.

Mas quando essa mesma vida estiver resumida a apenas um sopro. Um débil respirar. E essa pessoa não mais deseja viver. Presa a aparelhos que respiram por ela. Atada a um leito de hospital. Sem poder sequer esboçar um aceno de mão. Um reles piscar de olhos. Dizer, ou balbuciar, como te quero bem aos circunstantes. Creio ser melhor deixar a vida de lado. E partir ao outro lado. Se é que ele existe de fato.

Ah! Se eu pudesse trancafiar os pensamentos. Deixá-los aprisionados entre grades. Por um delito imaginário que não fizeram. Deixar-me liberto deles nem que seja por alguns momentos. Faria de bom grado.

Se meus pensamentos avoassem deixá-los-ia partir rumo ao céus. Num vôo sem volta. Mas bem sei que eles iriam voltar algum dia. Na certeza que eles teriam saudades de mim.

Melhor nem pensar naqueles dias inesquecíveis da minha infância. Perdida anos e anos atrás. Quando corria atrás de uma bola de meia. Num campinho cambeta. E chutava a gol feito de traves de bambus gigantes. Naquele goleiro frangueiro. Que deixava aquela bolinha passar por entre as pernas. E eu celebrava aquele feito alçando as mãos. Num gesto puro de agradecimento aos céus.

Melhor tentar esquecer aqueles dias de intenso regozijo. Quando euzinho, menino moleque. Caminhando a passos lépidos por aquela pracinha. Dava de olhos naquela menina. Que fingia olhar pra mim mas não era em minha direção. Mesmo assim eu pra ela olhava. Mas ela não correspondia aos meus anseios. Perdido em meus devaneios me perdia em amor por ela.

Melhor passar uma borracha em meu passado. Ou até mesmo um corretivo que corrigisse meus senões. Não pensar tanto no que passou. E seguir adiante sem voltar atrás. Mas quem diz que eu consigo. Se não consigo nem mesmo olvidar aquela mocinha pudica. Que não me permitia sequer afanar um beijinho na sua boquinha abatonzada. Mas ela era permissiva aos outros meninos. Mais garbosos e atirados que eu era.

Nem sequer consigo esquecer aquela vez que subi num pé de jabuticaba. Era um dia chuviscoso. Galhos escorregadios. E eu, num galho mais fino me desequilibrei. Fui atirado ao chão de posse de algumas muitas jabuticabas grandonas. E elas acabaram nas mãos de minha mãezinha que esperava inquieta por debaixo daquela jabuticabeira que hoje mora apenas nas minhas lembranças mais ternas.

Melhor nem pensar nos anos que conto agora. Já que a expectativa de vida dos brasileiros assinala que viveremos setenta e seis anos. E eu com setenta e quatro. Só me restam dois a mais. Vivo apenas e tão somente o presente. Sem pensar nos anos que sobrevirão.

Melhor deixar no olvido do esquecimento fatos que nos fizeram infelizes. E tento procurar a felicidade onde quer que ela se esconda. Na singeleza do singelo ela mora. Dentro de mim ela faz ninho.

Melhor não pensar tanto na vida. Deixa que ela viva e nos deixe viver. Tentar esquecê-la? Não consigo por mais que tente. E nada me impede de pensar em você.

Melhor nem pensar. Mas como se não passo um dia sem conseguir desatar os nós que me prendem ao passado. E não pretendo desatá-los. Gosto de lembrar. Atrai-me voltar àquela rua por onde passo ao cair das tardes. Ali passei a minha infância. Anos bons que não voltam mais.

Se me pedirem pra esquecer digo e repito: “por mais que queira não consigo. Lembrar faz parte de mim. Por mais que tente não consigo me desvencilhar daquelas lembranças boas que trago junto comigo”.

Um dia talvez pare de pensar. Esse dia só vai acontecer quando não mais estiver por aqui.

 

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