Pra mim também.
Não importa se as águas escorrem pra baixo ou morro acima. Não conta, nesta altura do meu viver, se faltam mais quantos anos para me despedir da vida. O que me importa é desfrutar ao máximo o tempo que me resta.
É ser feliz e nada mais.
De nada importa qual patrimônio que consegui juntar nos meus quase cinquenta anos de medicina. Ele já não me pertence mais. Em meu nome apenas constam alguns livros editados. Os quais trazem meu nome na capa e nas páginas centrais.
Pra mim tanto faz como tanto se desfaz dizeres que dizem às minhas costas. Se falam bem eu não escuto. Se mal ignoro.
Pra mim o que conta é fazer de conta que tudo vai bem. Pois se ao revés deixo anotado no meu caderninho e um dia pretendo melhorar.
Pra mim agora, depois de viver intensamente os anos todos de trabalho duro, fazer apenas o que me apraz. O que não me agrada permito-me deixar pra trás.
Já pra ele, meu amigo, um senhor acostumado ao trabalho pesado, seja na foice ou enxada, carpindo mato ou roçando a pastaria, de nome Zé Bendito, não Benedito, tanto faz como tanto não faz, já que pra ele o que importa é não deixar seu nome sujo, limpo sempre.
Ele tem o costume, de berço, acordar ao cantar do galo e escutar o grasnar das maritacas escondidas no telhado onde chocam seus ovinhos.
Zé não está nem ai para o que dizem seus vizinhos. Aliás, quase ele não os tem.
O que mora mais perto de sua casa fica há mais de uma légua de lonjura. E ele quase não aparece por perto de onde mora.
Pro Zé Bendito nada conta senão o que a ele importa. Se chove ele abre o guarda-chuva. Se não ele pede ao pai do céu que destampe a caixa d’água lá do alto. E suplica que não chova além da conta.
Bem-dito o dia em que ele nasceu. Dizem que era uma sexta feira treze.
Azar não! Esse dia bem dito foi um dia de sorte. Choveu e não relampejou. Escureceu e depois clareou. Passou o dia inteiro e não ventou.
Pro Zé o que conta é fazer de conta que tudo vai bem. E se vai pior não se iluda que vai melhorar.
Do jeito que as coisas vão não tem como piorar. Com a inflação nas alturas deve abaixar. Com o preço alto do tomate o jiló fica mais doce.
Pra ela tanto faz se a gasolina sobe ele anda a pé. Faz um bem danado pra saúde caminhar.
Pro Zé, se a dentadura não encaixa ele fica sem. E que belo sorriso gengival ele mostra e não se avexa de mostrar.
Pra ele se vem chuva ele brinca na enxurrada. Faz lindos barquinhos de folhas de jornal e os deixa ir até o rio e depois ao mar.
Pro Zé defeito ele não tem. E se os tem ele esconde. E ri da própria desgraça. Sorri das adversidades como se nada tivesse acontecido.
Pra ele azar é festa. Se uma gripinha de nada o faz espirrar ele assoa o narigão. Não usa lenço e sim a palma da mão. Se o chamam de sovina ele abre a mão esquerda. Já que na direita ele guarda a grana.
E como eu gostaria de ser igualzinho ao Zé Bendito.
Jamais fazer cara feia às agruras da vida. E suportá-las igualzinho a ele.
Daí ele dizer ser feliz sempre. Não fazer de conta que tudo vai bem.
Pra ele sim. Cada vez melhor. Diz e repete com aquele sorrisão desdentado.