O pinico do Zé Gotinha

Antes de tudo gostaria de dirimir uma singela dúvida. Penico se escreve como i ou com e?

Diz, quem sabe mais do que eu: pinico em verdade se grafa com e.

Trata-se de um utensilio usado para urinar ou defecar doente, deixado debaixo da cama, escondidinho dos visitantes, que, pela manhã se esvaziava, com um cheiro de odor nauseabundo, feito de latão tinto de branco, com uma alça por onde se segurava, as crianças caçoavam de quem  usava, apesar de tê-lo conhecido na doce infância, pois faziam xixi na cama, e, envergonhadas diziam que seria limonada com cheiro estranho, apesar de nada mais ser do que uma doencinha passageira, como a gente passa na terra, conhecida por enurese.

O tal penico, no sentido figurado, usava-se a palavra quando se queria dizer que o nosso ouvido não era penico. Quando se desejava pular fora de uma prosa ruim. Ou também, em outro linguajar de muito uso, quase não caiu em desuso, pedir penico era como pedir tempo. Ao final de um jogo sem vencidos ou vencedores.

Os bebês trocavam as fraldas pelos penicos. Quando, na doce infância, aprendiam que o lugar exato para urinar era o tal vaso sanitário, ou então aquele recipiente esmaltado prestes a ser usado, antes que uma poça d’água com cheiro nada agradável fosse vista cobrindo o lençol.

Meu avozinho querido, que se foi para um paraíso encantado, ainda pra lá não fui convidado a conhecer, um dia serei, usava um penico disputado pelos netinhos. Não sei quem ficou com aquele pertence. Um dia observei, desconfiado, que foi um primo meu, o qual, na hora da janta usava um prato esquisito, qual e tal o tal penico, disse-me ele : “não se apoquente, lavei o peniquinho do nosso avô Rodartino, desenfeitei-o n´água fervente,  e agora dele uso como meu pertence. Doces lembranças daquela figurinha impoluta, que andava pela cidade inteira com seus suspensórios que ajudavam a segurar aquela calça feita em tecido de linho puro. Elegantemente como se fosse um padre a espera de rezar missa das nove e meia”.

Tenho um amigo, pessoinha da melhor que conheci, vizinho da minha rocinha prejuizenta, lá nos cafundós de Ijaci, conhecido por todos como Zé Gotinha.

Ele já era bem andado em anos. Pelas minhas contas quase cem.

Um dia, já era final de semana, quase começo doutra, ele aqui apareceu.

Veio só. Somente ele e ele próprio. Era uma hora imprópria. Quase na hora de fechar o consultório.

Seu Zé, sem ter agendado a consulta, aqui veio sem se anunciar. Era quase dezoito horas.

O céu escuro, quase noite baixa.

Ele se queixou da urina encardida. Mijava de meia em meia hora. Com um jatinho pinguento. Não que ele usasse pinga com muita frequência. De vez em sempre tomo um traguinho de nada.

Ao examiná-lo notei uma bexiga cheia de mijo vencido. Uma bola de basquete fazia abaular a sua pelve inflamada.

Não tive como tomar não uma decisão intempestiva como uma tempestade que se avizinhava. Passei-lhe uma sonda uretra adentro. Por ali saiu quase cinco litros de um liquido amarelinho como um canarinho da terra. Aquele que canta e encanta ciscando o esterco de curral.

Foi um alivio só. Senti na hora a alegria do amigo Zé Gotinha. O qual, segundo diziam, urinava de gota em gota. Embora não fosse portador da tal doença chamada gota. A qual se deve ao aumento do ácido úrico. Que faz inchar as articulações.

Ele me agradeceu o atendimento preciso e veloz como o vento. E prometeu fazer os exames encomendados por mim.

Na semana seguinte, era mês de junho, friorento, mês quase inverno, pertinho das festas juninas, ele retornou à consulta. Os exames nada mostraram de novidade. Fora uma elevação do PSA. Um indicativo que se poderia tratar de um câncer na próstata. Que contrariava o toque que havia feito na primeira vez da consulta fora de hora.

Uma vez indicada a cirurgia ele me pediu para esperar um cadinho mais. Aquela sonda poderia entupir. Alertei-o naquele momento.

Mesmo assim ele pediu penico. Não para urinar. E sim para fugir da raia. Não a tal Claudia, aquela de pernas longas e dançarina de mancheia.

Nunca mais vi o amigo Zé Gotinha. Dizem que ele até hoje urina pela mesma sonda. Com medo de se operar.

Fica aqui um conselho. De um médico especialista em urina e velho conhecedor do penico.

Passados os quarenta e cinco anos façam uma visita ao urologista. O tal toque não permite retoque. Antes que a porca torça o rabo evitem um mal pior.

 

 

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