O dia em que Zé da Mula empacou

Fazia um frio de fazer pinguim se enrolar no cobertor.

Naquela hora madrugada o pobre desinfeliz Zé foi cuspido da cama.

Por que Zé da Mula?  Podem a ele perguntar.

Acontece que, nos primórdios da sua infância o menino Zezinho. Já aos doze anos bem novinho. Quando seu pai pediu que elezinho arriasse um cavalo. Uma égua pampa que estava acostumada a puxar carroça. A fim de levar os latões de leite lá em cima do morro. Num dia de muita chuva. Quando o caminhão leiteiro não se atrevia a descer lá em baixo devido a lama escorregadia. Zezinho se confundiu todinho. E acabou por pegar no laço aquela mula empacadeira.  Com quem teve um causo na sua tenra mocidade. Foi ela quem lhe ensinou tudo aquilo que aprendeu anos mais tarde. E pela sua mula querida tinha um enorme chamego.  Sendo até nos dias de hoje o verdadeiro amor de sua vida.

A partir de antão o epíteto virou nome.  E ninguém mais sabe o verdadeiro nome do Zé. Que em verdade foi batizado por Felisberto não se sabe a razão de tamanha confusão.

Foram-se os anos. O tempo de agora não mais é aquele da infância do Zé da Mula.

Ele envelheceu. Permaneceu solteiro e turrão. Talvez seja essa a razão de seu isolamento. Zé vive na própria companhia dele mesmo.

Sabe como poucos cozinhar.  Lava suas roupas num corguinho que escorre nos fundos de sua casa. Mora numa rocinha perdida onde nem o diabo sabe.

Sua morada é um capricho só. O fogão a lenha brilha de limpeza. O banheiro fica numa casinha da horta. Zé planta suas próprias verduras. E ainda vende as sobras numa feira da cidade.

Da saúde não se queixa. Quase não toma remédios. Uma dorzinha aqui. Outra do lado de lá. Logo passa como a chuva um dia passa.

Pena que nem tudo continua perfeito como o amor um dia termina. E assim foi na vida do Zé da Mula.

Um dia, era um sábado véspera de um feriado. A semana santa iria começar num domingo de ramos. Quando Zé acordou com uma vontade imensa de urinar.

O pinico já estava cheio pelas bordas. De pé não conseguia verter urina. Assentado foi pior ainda.

Já na casinha da horta percebeu que sua pobre bexiga já não suportava tanto enchimento. Estava prestes a explodir.

Não fosse a sua mula espertinha não chegaria nunca até a cidade. Por sorte ela estava pastando ali pertinho. E elazinha logo entendeu o sofrimento do dono e se permitiu deixar pegar.

Ainda me lembro daquele dia infeliz do pobre Zé.

Estava eu quase deixando o hospital. Quando ouvi uma vozinha fanha me chamando já na saída. Meu consultório era no sétimo andar. Onde até hoje atendo aos consultantes.

Zé carecia de ser atendido naquele momento exato. Com a urina presa mister se fazia passar na sua uretra uma sonda imediatamente. Nunca vi uma bexiga tão inchada. Mais parecia uma mulher ao final da gestação.

Mas, um porém se deu. Como disse, para chegar ao meu consultório precisava tomar o elevador. E quem disse que o Zé teria coragem de entrar naquela gaiolinha que sobe e de vez em quando empaca? Dito e mal feito.  Deveras Zé empacou. Foi preciso levar a mula junto.  Foi a primeira e a derradeira vez que uma mula subiu pelo elevador. E, acreditem se quiserem.  Ainda por riba da mula Zé dela não se desgrudou.

Não carece dizer que o atendimento ficou no fiado.   Até hoje, quando passo na rocinha do amigo Zé, ele, bem acompanhado de sua mula promete me pagar assim que lhe pagarem o que lhe devem do desconto indevido de sua reles aposentadoria. Se ele não sabe nem eu. Já que meu sobre é Abreu. Se não pagar muito menos eu.

 

 

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