O desafortunado Zé Inocêncio

Muitos nascem de bunda virada pra lua.

Já outros sofrem na carne todas as agruras da vida.

Assim podia-se definir a vidinha miserenta de uma pessoinha boa, tida como inocente, desprovida de maldade, que nasceu numa rocinha erma, fincada entre o nada e o fim de mundo.

Zezinho nasceu zarolho. Via tudo ao revés. Enquanto o olho direito olhava prum lado o esquerdo mirava o lado contrário.

Quem o visse meio estabanado jurava que ele, o tal Zezinho, mal via o que se passava a um palmo do nariz adunco. De fato. Ele mal enxergava do olho direito. O outro, de uma cor acastanhada, dançava sem expressão, como se quisesse dizer: “por favor, me ajudem a ver a luz do dia. Já que não consigo distinguir entre o clarume excessivo da escuridão do negrume das noites de inverno”. Era mais um equívoco do desafortunado Zezinho. Que mal conseguiu passar do primeiro grau na escola. Já que, além de desapetrechado de inteligência, sofria de uma vagareza tal e qual um asno que manca e não sai do lugar.

Mesmo assim o nosso herói foi contando anos, recheado de desenganos.

Ao atingir a maioridade, com a estatura de um pintor de rodapé, Zezinho se afeiçoou a uma balzaquiana tida como mulher da vida fácil. Era uma rameira de fazer tremer como vara verde todos aqueles que por ela se atreviam a ir pra cama, pois, além de fogosa era feia como jiló amanhecido na friagem.

Mesmo assim Zezinho por ela se apaixonou. Avizinhava-se o dia dos namorados. Era um mês de junho frio, cinzento, mal se via a luz do sol.

Como de costume Zezinho acordava ao cantar do galo. Empoleirado numa cerca ao lado da sua casinha recheada de amor pra dar.

Naquele dia cinzento, era véspera da data considerada dia do amor, Zezinho deu uma escapulida até a cidade perto.

Vestiu a melhor fatiota que possuía. Tomou um banho de canequinha. Já que naquela manhã fria o vento assoprava, do lado de fora da casa, como se fosse uma tempestade tempestuosa. Lá fora a temperatura oscilava entre zero e menos degraus atrás.

Ao chegar cidade, de carona no caminhão leiteiro, balançando entre os latões de leite, Zezinho teve um mal súbito. Foi deixado num hospital, à custa de um plano de saúde chamado SUS.

Teve de esperar, numa fila enorme, mais de dez horas naquela situação aflitiva. Por falta de maca, ou de uma acomodação mais confortável, Zezinho, semi acordado, viu a vó pela greta. Não aquela Garbo famosa no cinema.

Ao final dia, sem ainda conseguir ser atendido, por sorte Zezinho se levantou do túmulo.

Deixou o nosocômio sem entender que aquela espelunca dava no mesmo que hospital.  Entre tombos de quedas, por azar maior o nosso personagem desiludido com tudo, e com todos, acabou sendo conduzido a um lugar ainda pior. Era uma sala de espera. Conhecida por todos como sendo o lugar onde jamais gostaríamos de ficar. Era a antessala a morte. Um velório esquisito. Onde a maioria pranteava, entre risos e conversas fiadas, o pobre defunto prestes a ser sepultado.

Zezinho, aperreado, afoito, escafedeu-se daquele logradouro mais sujo do que pau de galinheiro imundo. Cheirando a sovaco podre.

Não teve como voltar a casa com um presente a ser dado a sua balzaquiana mundana.

Mesmo assim a ela visitou naquela corruptela infecta e infecciosa.

A safada esperava pelo menos uma joia naquele dia dos namorados. E acabou recebendo uma caixa de bombons vencidos.

O que deveria ser bom acabou por ser uma desilusão ainda maior.

Zé Inocêncio, depressivo, dali saiu pensando em se matar de amor.

Ingeriu formicida tatu. Não morreu daquilo. Acabou vomitando o conteúdo gástrico no banco da igreja matriz.

Depois foi ao confessionário. Confessou todos os pecadinhos ao padre confessor. Foi absolvido e perdoado. Não sem antes rezar cem padres nossos, duzentas aves marias, e prometer, de pés juntos, se arrepender de tal ato falho.

Não sei se até hoje Zé Inocêncio esqueceu aquele amor do passado. De papel passado ele jura que acabou deixando de sofrer por amor.

Aos menos de trintanos Zé Inocêncio acabou por perder a inocência, nos braços de um novo amor.

 

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