Hoje vejo uma nesga de sol entrar

Neste mês de dezembro a chuva cai sem cessar.

Mal se vê a luz do sol. Tudo se mostra cinzento.

O azul mal se mostra.

Naquela localidade erma, longe de tudo e de todos, vivia um homem solitário.

Ernesto, desde quando perdeu a esposa, num acidente fatídico, elegeu viver sozinho. Não teve tempo de constituir família. Daí a solidão que o encontrei, naquele começo de dezembro.

Passei por ali por um acaso. Não era aquele o meu destino.

Gostaria de chegar a um lugar encantado. Onde pássaros cantassem, onde saracurinhas espertas cruzassem o meu caminho, onde o bicho homem raramente chegasse. Pois gostaria de experimentar o murmúrio de um riacho, onde lambarizinhos nadassem sem medo de serem pescados.

Foi numa manhã de sábado que me deparei com o Ernesto. Ele estava à sombra de uma grande árvore. Desiludido com o mundo ao derredor.

Era quase final de ano. Um ano que não deixou boas lembranças. Foi quando ele perdeu a mulher amada. E nunca mais um sorriso iluminou aquela face inexpressiva.

Já bem sabia da vida triste daquele homem solitário. Por ouvir falar. Não por tê-lo antes conhecido.

Naquela manhã de sábado chovia mansamente. Parecia que a chuva iria continuar dias afora. Afinal era dezembro. Mês de chuvas intensas. Céu cinzento. Temperatura amena.

Assim que me deparei com aquele homem tristonho não me contive. Estacionei minha caminhonetinha prateada junto dele.

Queria saber o porquê de sua apatia. A razão de sua infelicidade que se mostrava a olhos vistos.

Sem querer bisbilhotar a vida alheia, comecei a inquisição desta maneira: “meu senhor, por que se mostra triste? Seria devido à chuva que não deixa de cair? Ou talvez à cinzentice das nuvens? Ou seria por outro motivo qualquer”?

Foi quando dele ouvi este desabafo: “quer mesmo saber? Tudo tem contribuído para a minha melancolia. Em primeiro lugar perdi a única pessoa que em verdade amava. A ela dedicava todo amor de minha vida. E ela me deixou sem avisar. Numa tarde escura como esta. Desde então passei a viver nesta solidão. Não mais tenho razão para continuar a viver desta maneira. Espero que no próximo ano não mais esteja por aqui. Desejo, de coração aberto, encontrá-la novamente noutro lugar. Longe de tudo isso. E pertinho de Deus Pai. Assim talvez encontre a paz que tanto preciso.”

Não tive como contestar-lhe a amargura. Neste exato momento fez-se o sol. Uma nesga de claridade iluminou a linha do horizonte. A cinzentice das nuvens de repente converteu-se numa azulice intensa. Foi quando percebi, nos lábios de Ernesto, um leve sorriso.

Como a clarume de um dia faz milagres. Embora aprecie a chuva o cinza me faz mal. Faz-me falta a luz do sol. Como me faz falta ver a alegria das pessoas.

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