Inglório desenrolar dos anos

Ah!, se a gente pudesse conservar a lucidez de uma criança, a esperteza de um menino, a jovialidade de um adulto em plena produção, e com todos estes atributos passássemos a idade provecta sem usar fraldas de babadôs, sem precisarmos de alguém para nos ajudar na maior idade, já que nesta fase da vida carecemos de maiores cuidados, até o dia da nossa despedida desta vida que não mais tem o sabor de jabuticaba madura, colhida no pé mesmo, depois de uma chuva criadeira.

Ah!, se a gente não perdesse o viço da juventude. E conservássemos, na idade madura, a mesma disposição de outrora.

Pena que tudo que é bom pouco dura.

Antes tudo eram flores.

Agora, nesta fase da perca da mocidade, atingindo a senilidade, mal podemos nos locomover. Por qualquer motivo banal estamos sujeitos a quedas e fraturas. Já que nossos ossos são frágeis. Da mesma forma que nossa saúde está sujeita a enfermidades múltiplas.

Não há como impedir a marcha inclemente do tempo. Com ele passando perdemos aquela visão aguçada. Somos vítimas impassíveis de doenças degenerativas. A próstata no ancião dificulta-nos o verter da urina. A marcha claudica. As pernas não nos obedecem mais.

Com o tempo passando estamos à mercê das doenças. E quando elas se aboletam de nós, sem mandar aviso, ou ao menos pedir-nos o consentimento, não há como livrar-nos delas.

Para os idosos os planos de saúde custam os olhos da cara. Que fica toda enrugada. Sem aquela beleza dos tempos da mocidade perdida.

Uma das únicas compensações que o velho tem é não ter de enfrentar filas enormes em busca de emprego. E poder ficar na pracinha cuidando dos netos. Mas, quando uma daquelas crianças traquinas corre desatinada não se esquivando dos perigos como fazer para alcançá-las, já que nossas pernas não são capazes de tamanha aventura.

Como o tempo trata mal os idosos. Dizem que eles têm suas prerrogativas. Mas, bem sei, que é difícil embarcar num ônibus lotado em horas de pico. A porta de entrada fica longe do solo. E as pernas do velho, sujeitas a toda a sorte de incapacidades, não chegam aonde desejam ir.

E quando a gente chega àquela idade que nos incapacita a ir ao banco. Receber o pago de nossa aposentadoria? Temos de depender de favores de terceiros. A falta de parentes ficamos à mercê da boa vontade de amigos.

É duro constatar o quanto o velho se torna um sapato gasto abandonado a um canto. E o quanto ele foi útil durante a mocidade perdida.

Não se dá o devido valor ao velho. Ele, por seu passado de tantas lutas inglórias deveria ser mais bem reconhecido.

Hoje, entregue a um leito de hospital, ou a uma casa de idosos, o velho passa seus derradeiros dias entregue ao abandono. Sem sequer receber uma visita. Esquecido a um canto. Mesmo sabendo que seus filhos vivem preocupados com a família que agora se dedicam. E não têm tempo para uma breve visita de cortesia.

Ser velho é como se a vida perdesse o sentido. Ser velho, num país como o nosso, é conviver com inúmeras vicissitudes. Cada vez mais me sinto velho. Ainda sou produtivo. Por quanto tempo mais? Só o futuro me vai dizer.

Pena que o velho, que já viveu tanto, agora, abandonado por aqueles que ajudou a criar, vive mendigando carinho. Em seu andar trôpego. Com seus olhos perdidos no nada. Com sua fala arrastada. Como se fosse um sapato velho. Em vias de ser jogado a um lixão qualquer.

É duro constatar como a maior parte dos velhos sofre. Eles merecem não apenas o nosso cuidado. Pois a única certeza que levamos desta vida é que um dia seremos como aquele velhinho. Que perdeu não apenas a visão bem como o sentido de viver. E só lhe resta pensar no amanhã. Num lugar ainda desconhecido pra nós. Pra onde todos iremos. Mais cedo ou mais tarde. Tomara ainda longe desta segunda-feira, um dia depois do dia das mães.

Com que saudade me lembro da minha. E com que felicidade vivia junto dela. Quando ela ainda estava ao meu lado.

Este inglório desenrolar dos anos me fez repensar na vida que tenho levado. Um dia não mais estarei por aqui. A lastimar tudo que acabei de escrever. Pena que o tempo passa. Com tanta voracidade. Que quase não tive tempo de repensar o passado.

De hoje em diante, no tempo que me resta, quem sabe as coisas irão mudar? Um conselho aos jovens. Já passei por tudo isso. Considerem seus velhos não como cartas fora do baralho. Eles sãos exemplos ainda vivos do quanto o amor constrói.

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