Daí a morte de Antunes

Como vivia bem aquele casal.

Nunca se ouviu qualquer admoestação da parte de um deles.

Casaram-se aos menos de vinte anos. Ela, morena de olhos amendoados e escuros como uma noite sem lua. Ele, moreno trigueiro de mãos calejadas pelo trabalho na roça.

Conheceram-se numa festa junina. Ela, vestida de chita, cabelos feitos em trança pela mãe, que morreu precocemente, ali chegou acompanhada por um tio.

Foi quase impossível apresentá-los um ao outro. Tal a vergonha que ambos sentiam.

A primeira dança não durou mais que alguns minutos. Antunes, todo desengonçado acabou tropeçando nas pernas da moça. Tombo sem maiores consequências. A não ser a aproximação daquele casal. Que acabaram se unindo em matrimônio.

O casamente resistiu a chuvas e trovoadas. E como choveu naquele verão calorento.

Antunes, dedicado homem da roça, vivia para o trabalho. Acordava ao cantar do galo. Não tiveram filhos. Embora a vontade falasse forte ao ouvido dos dois.

Tempos passaram desde aquele ano de um mil novecentos e cinquenta e poucos.

Antunes e a doce Esmeralda viviam um pelo outro. A lida na roça exigia horas a fio de dedicação constante.

Enquanto Antunes ordenhava as vacas Esmeralda cuidava da limpeza do curral.

Marido e esposa dedicada envelheceram. Viviam felizes naquela vidinha singela.

Aos quase setenta anos, ainda saudáveis e imunes a doenças, Antunes e Esmeralda passavam todo o tempo ocioso a assistir a velha televisão. Numa salinha que reluzia a limpeza. Graças à cumplicidade da senhora Esmeralda, que tudo fazia para ver o marido feliz.

Dormiam agarradinhos numa cama aconchegante. Acordavam a mesma hora. Sempre antes das cinco da manhã. Fizesse frio ou calor. Chovesse ou iluminasse o sol.

À noite, com o céu coalhado de estrelas, ficavam na varanda parcamente iluminada por um lampião, sonhando com a vida boa que levavam.

Ele e ela se bastavam. Já que os filhos não lhes foram presenteados, Antunes e Esmeralda eram felizes as suas maneiras. Viviam para o trabalho. Aquela rocinha encantada, batizada de Paraíso, em verdade era o paraíso materializado aqui na terra.

Pena que o tempo passa. E a gente envelhece. Antunes e a doce Esmeralda não fugiram a regra.

Chegaram aos oitenta anos ainda com a saúde em dia. Antunes padecia da próstata. Acordava durante a noite várias vezes para verter a urina. Já Esmeralda parecia uma meninazinha ainda, nos seus mais de oitenta anos. Era ela quem cuidava do marido. Com a mesma disposição de outrora acordava ao nascer da aurora. Fazia um cafezinho esperto na trempe do fogão a lenha. Ambos assentavam-se à mesa. Para a primeira refeição do dia.

Por não mais terem idade para cuidar das vacas acabaram por passar adiante todo o plantel que possuíam.

Mas mesmo assim viviam felizes, sempre juntos, a curtir a idade avançada que chegaram.

Numa noite enluarada, céu carregado de estrelas, o velho Antunes acordou em sobressalto.

Percebeu que a doce Esmeralda não respirava. Estava lívida, apática, parecia estar dormindo. Sentiu-lhe o hálito defunticio.

Esmeralda morrera durante a noite. Sem dar indícios, no dia anterior, de que padecia de um mal maior.

Desde então a vida perdeu o sentido para o pobre Antunes.

A solidão o importunava, de tal forma, desde o passamento da esposa, que o velho Antunes perdeu a razão de viver.

Entrou em depressão. Vivia pelos cantos, cantarolando sua tristeza.

Um mês depois o velho Antunes foi encontrado morto. Assentado a mesma cadeira onde passava horas e horas ao lado da esposa.

Dizem que a causa mortes foi a saudade. E ainda dizem que saudade não mata. Não apenas mata como dói. Como uma faca ensartada no peito. Como uma chaga que não cicatriza. Como um amor que parte e não volta mais.

 

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