Nunca é tarde, pensava eu

Sempre acordei cedo. Juntinho ao nascer do sol. A lua já se escondera faz tempo. O céu azul se mostra sem nenhuma nuvem a indicar que mais tarde irá chover.

Amo as madrugadas. O frescume do vento. As ruas ainda vazias. O trânsito ainda caminhando lento.

Na solidão do meu consultório, antes das sete, é a melhor hora para escrever. A partir das oito a inspiração se afasta. Deixando-me entregue ao trabalho de médico. Que ainda sou, e continuarei a ser até quando a vontade prevalecer.

Aposentar-me, jamais. Somente as enfermidades, quando me levarem a cama, serão capazes de me fazer afastar da lida. O ócio é o inicio do fim. Já dizia meu saudoso pai.

Não sei quantos anos mais me restam de vida. Aos quase setenta não sinto definitivamente o peso dos anos. Quanto mais eles passam mais me sinto capaz de fazer tudo que fazia dantes. Ainda melhor, não me avexo em dizer.

Caminho com a mesma disposição de quando jovem. Corro quando a ocasião permite. A saúde me faz companhia. Não me lembro de quando fiquei doente. Algumas doencinhas sem gravidade se interpuseram entre mim e a capacidade de pensar, de sonhar. Não sinto às costas o peso dos anos. Meus ombros são ainda fortes o bastante para suportar as dificuldades. Quem não as tem?

Conheço um senhor, bem mais jovem do que eu, que, sempre que comparecia a consulta queixava-se de tudo um pouco. Eram queixumes sem muito substrato. Por trás de suas doenças escondia-se alguma coisa emocional.

Mas, com o passar dos anos acabei me acostumando a escutar mais do que palpitar. Aprendi a ouvir, sem me manifestar. Não sou como dantes. Ainda me lembro, de quando, um dia, um paciente, ansioso, com queixas puramente emocionais, ao se despedir de mim afirmou: “obrigado por me escutar. Agora me sinto mais leve. Saio daqui bem melhor de quando entrei.” Não sei se ele está curado. Pelo menos foi o que lhe desejei.

Nunca é tarde para aprender. Como nunca será tarde demais para compreender.

Aprendo com o passar do tempo. Antes, jovem ainda, pensava saber de tudo. Já hoje, montado nos meus muitos anos, aprendi que tenho muito que aprender.

A gente simples da roça me ensina muito. Com eles aprendo que a paciência é fundamental para não envelhecer tanto. Que a sofreguidão mata. Que a solidariedade é essencial para encompridar-nos a vida. Que a amizade é um bem tão precioso quanto uma jóia rara.

Com os animais aprendo a ser fiel. Os cães me ensinam muito. Sobretudo a nos defender quando a ocasião enseja.

Com as pessoas mal intencionadas desaprendo. Elas não são exemplo de nada.

Nunca será tarde demais para admirar o brilho sol assim como os pingos da chuva tamborilando no vidro da janela do nosso quarto de dormir. Da mesma forma o canto dos passarinhos, canarinhos da terra ciscando o esterco do curral. Não fecho os ouvidos com o grasnar frenético do canto das maritacas. Elas também fazem parte da natureza. Embora sejam mal vistas por onde quer que avoem.

Não considero tarde demais para ver, no sorrido da criança, toda inocência que ela traz dentro dela. Já fomos assim. A idade nos fez perder o viço da juventude. Mas por que não poder vislumbrar, na face alquebrada do ancião, toda a beleza do velho. A velhice mostra nos seus traços fiapos de beleza. Ainda me lembro dos fios de cabelos brancos que tintaram os cabelos de minha mãe, quando ela começou a envelhecer.

Nunca vai ser tarde demais, felizmente de tempos pra cá pude observar, no sorriso dos meus netos toda a alegria dos seus pais, assim que eles nasceram.

Espero ver, durante o temo em que viver, mais sorrisos serem encaminhados a mim. Nas pessoinhas tão lindas de outros netos. Como desejo vê-los crescerem.

Nunca seria tarde demais, pois espero viver muitos anos ainda, para assistir, com os olhos rasos d’água, toda a beleza de uma queda d’água, despencando furiosa de cima de uma montanha, depois de uma chuva benfazeja.

Assim como penso não ser tarde demais, para contemplar o por do sol. Antes que minha visão se embacie para sempre.

Espero, não ser tarde demais, para ouvir o canto mavioso de um pintassilgo, depois de liberto da gaiola onde não foi feliz.

Como também espero que não seja tarde demais, para poder enxergar um moleque de rua, mãos estendidas, a cata de esmolas, ver aquele meninozinho agradecer pela graça recebida.

Creio não ser tarde demais, para acreditar num ser superior, que não se deixa ver, antes que eu o encontre em outra vida, que não esta daqui.

Nunca vai ser tarde demais, para acreditar nas pessoas, depois de tantos desencantos os quais fui testemunha.

Nunca é tarde, agora ainda é cedo, para continuar a ver a vida com olhos enternecidos de bondade. Pois embora a maldade exista, devemos lutar contra ela com a contrapartida do bem.

Agora já não é tão cedo. Quase oito horas mostram o relógio .

Mais tarde, antes que o cair da tarde venha, não mais estarei aqui, escrevendo o que minha inspiração dita. Pois considero, sempre, que nunca será tarde o bastante para não ser feliz.

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