O peixinho claustrofóbico

O aquarismo desperta paixões em mim desde há muitos e muitos anos passados.

O mesmo aquário de água doce me acompanha bem de perto, aqui, no meu consultório, creio que há inexatos trintanos.

Em outra casa, aqui pertinho, ele está comigo do mesmo jeito. Plácido, quieto, tranquilo.

A desfavor de quem diz que aquário da trabalho mujo o contrário.

Talvez o maior tropeço que diz contra meu escrito seja o fato de adequar o Ph, fazer com que os peixinhos se sintam felizes, alimentem-se corretamente, com a ração certa, nadem sofregamente, não briguem entre eles, como nós costumeiramente fazemos, e, afinal, nunca os tirem para passear. Peixes não se dão bem ao ar livre. Como eu, adorador de corridas asfaltentas, por quilômetros e quilômetros infinitos, até o céu azul, um belo dia para lá irei. Para me unir aos meus queridos pais.

De nada adianta inserir ao aquário peixes por demais coloridos. Os conhecidos por japonês logo boiam sem vida. Duram no máximo uma semana. Quinze dias se tanto.

Pela experiência por mim acumulada, nestes anos todos pensando entender de peixes vários, os mais resistentes a morte são os alevinos. Os pacuzinhos, prefiro chamá-los pelo diminutivo, são os que mais duram na minha piscina onde não costumo nadar. Eles crescem pouco. Nunca os vi reproduzirem-se. Mas se morrem são poucos os atestados de óbito que tive de assinar.

Peixes morrem. Têm vida curta no aquário. Não sei quanto eles vivem nos rios e lagoas. Desde alevinos a peixes em ponto de serem pescados. Este dito: “tá nervoso, vai pescar”. Talvez se aplique aos ansiosos. Mas aos peixes que mordem a isca tal dito não funciona. Trata-se de um dito maldito.

De tempos pra cá tenho um novo peixinho amigo da onça no meu aquário companhia soberba.

Sempre que aqui chego, bem cedo, na intenção de escrever, só passo a ser médico a partir das oito, ele, o tal peixinho desprovido de encantos, não tem cor, é só prateado, fica me olhando, olhando, mansamente. Como se pedisse, quase uma súplica, que eu o retirasse do aquário, e o deixasse voltar de onde ele veio. Não sei se do mar ou de algum rio poluído.

Eu o nomeei de Claustrofobicozinho. Ainda não sabia a razão. Mas foi este sentimento que o pobre nadador versátil me passou. Desde então.

Semana passada, que o tempo passou, ao aqui chegar o Claustrofobicozinho estava fora do aquário. Ele tentava respirar fora d’água. Com enormes dificuldades. Foi por pura sorte que consegui fazê-lo reviver. Não foi preciso fazer boca a bico. Ao voltar a sua morada ele respirou sozinho.

Dois dias atrás de novo o velho incidente. O Claustrofobicozinho saltitou do aquário. Sorte que eu estava aqui. A escrever sobre a vida, e dando uns retoques sobre a morte. Quanto mais os anos cantam e eu mais idoso fico mais escrevo sobre a morte, e menos sobre a vida.

Novamente voltei o peixinho quase suicida a sua piscina espelhada. E ele fez cara que não gostou do meu ato nobre.

Já hoje, vinte e seis de outubro, dia que começou quente, mas promete chover, segundo a previsão do tempo, tomara, meu amigo Claustrofobicozinho de novo saltou do aquário. Não o pus a onde ele estava. Pois, no exato momento que eu fazia menção de retornar o peixe desprovido de encantos a sua morada aquífera ele, numa atitude de protesto, segurou, com as barbatanas molhadas uma faixinha onde estava escrito: “por favor, deixe-me avoar rumo ao azul infinito. Não mais quero ser peixe. Se não for possível que seja da espécie voador, que eu consiga voar rumo a morte. E saia pela janela deste andar planando em direção ao asfalto. E, se me estatelar lá embaixo, e um carro em disparada passar sobre mim, não façam caso. Deixe-me ali mesmo. dispenso exéquias a minha morte. Sou em verdade um peixe sem sorte. Meu legado pós mortem será este. Desejo estas exatas palavras sobre meu epitáfio: “Aqui jaz um pobre peixinho claustrofóbico. Que tudo fez para mudar de vida. Pena que só após a morte consegui”.

Não lhe contrariei a vontade. Fiz exatamente o que ele pediu, o infeliz peixinho claustrofóbico.

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