Hoje declinei do desejo de ter um mundo só meu

De repente me vi solitário. Andando a esmo por uma infinitude de lugares vazios. Apenas eu me seguia. Ia em direção do nada. Em busca de repostas a inquirições que ferviam em meu cérebro efervescente de ideias. Ao mesmo tempo pensava em nada. A não sei curtir o silêncio daquela casa maravilhosa beira lago.  Pra onde apenas ia de tempos em tempos. Embora tivesse tempo de sobra para ali pernoitar pelo menos duas vezes ao mês.

A casa beira lago era grande o bastante para abrigar mais de trinta pessoas confortavelmente instalados. Sem ser necessário dormir em colchonetes espalhados pelas dependências amplas construídas há muitos anos. Perdi a conta de quantos foram.

No entanto, naquele final de semana, mês passado, ali pernoitei apenas eu. Junto aos meus amigos cães. Eram dois. Agora a família dos meus border Collies engordou em mais cinco latidos simpáticos, três machos e duas femeas. Resultado do cruzamento entre o Pirunguinha e a Laika Rosa, a mim doada por alguém que apreciava cães filhotes. E, a exemplo de outros iguais, quando os mesmos crescem, os latidos tornam-se insuportáveis, os excrementos aumentam, acaba o encantamento. E os pobres animais crescidos são abandonados nalguma estrada vicinal, quando não têm outro destino pior, qual seja a morte por envenenamento.

A noite foi passada quase em claro. Não aprecio a escuridão da noite. Como amo o clarume dos dias ensolarados. Apesar de concordar com quem vive na roça que a chuva faz falta. Mansa, criadeira, noite adentro, no dia seguinte tudo se colore de um verdume impar. E o verde é a cor que tem mais sabores e tonalidades, dentre todas as suas congêneres.

Naquela noite na casa beira lago passei quase a metade dela enfiado a uma rede. Estendida na varanda da frente, que olha a imensidão do lago, naquela semana cheio. Vertendo líquido verde pelas beiras. Meu computador portátil descansava da escrevinhança fecunda durante quase todas as horas iluminadas do dia passado ali.

Foi quando me veio ao pensamento ter um mundo só para meu desfrute. Foram pensamentos que povoaram meus devaneios naquele final de semana a sós comigo mesmo.

Como seria este mesmo mundo que a mim acolhia em minha única e isolada companhia? Seria cheio das mesmas coisas que agora me olham de olhos extasiados de tanta beleza? Mas apenas eu como gente ali morava. Eu mais eu, nada mais ninguém.

Viveria à custa do meu próprio trabalho. Cozinharia os frutos da terra que eu mesmo produziria. Vestiria a mesma roupa que Adão usava no nascimento da terra. Nada cobriria a minha epiderme. Conversaria com quem? Já que os animais, tomando como exemplo meus cães nada entendem da minha fala. Trocaria ideias com as árvores ali plantadas há tanto tempo? E, no caso delas não entenderem a minha prosa ruim, o que diria do passarinho que deitou seus ovinhos num galho mais baixo, e dali um dia eclodiriam filhotes que noutro irão se despedir dos pais avoando com as próprias asas trôpegas nos primeiros voos.

Não dormi nadica de nada naquela noite escura e quente. Meus dois cães ronronavam perto de mim. Tentei fazer uma caminhada na orla da represa. Nada, ou ninguém por ali se via. Apenas eu era testemunha da minha solidão.

Lá pelas horas tardias daquela noite solitária, pensando ser o mundo só meu, fui ao banheiro lavar o rosto. Com sinais de olheiras a passarinharem pelo canto dos meus olhos cansados de tanta solidão. Foi quando peguei o espelho como interlocutor. E com ele confabulei: “olha prezado espelho. Não vou repetir a ladainha, espelho espelho meu, existe alguém na terra mais bonito do que eu? Bem sei que não resta mais nenhum ser humano desfrutando a linda vista do entorno dessa casa linda. Tão pouco frequentada. Apenas eu resisti à desumanidade, as agressões que o velho homem deixou em seu planeta agora reduzido a apenas e tão somente eu. Só me resta prosear com você, espelho espelho meu. Agora de mais ninguém. Já que na face da terra só resta eu. Para finar a conversa despeço-me com mais esta. Fecha os olhos, e faça de conta que irei deixá-lo em cacos. Quebrarei sua cara espelhada. Com um murro que inda agorinha mesmo desferirei”.

Depois, de cara lavada, não tendo nada mais do que me alimentar na cozinha ampla e cheia de utensílios de pouco uso, acabei comendo alguns coquinhos recém-caídos do coqueiro. Eram duros demais para mastigar. Acabei cuspindo-os fora.

Fui embora daquela linda casa pensando em ter mais pessoas junto a mim. Que bom seria repartir tudo ao derredor. Ter com quem conversar, a quem amar, um ombro amigo onde chorar.

Uma vez na cidade, hoje, bem cedo, véspera de um enorme feriado, dia de Nossa Senhora Aparecida, aquela santinha linda achada por jovenzinhos no fundo do rio, acabei repartindo-me em mais de mil cacos. Desci a rua devagarzinho. Cumprimentando a uns, sorrindo a outros, dizendo coisas e loisas boas a quem comigo se cruzasse na rua.

Acabei desistindo de ter um mundo inteiro apenas a mim mesmo dado de presente. Seria péssimo, caso assim fosse. Ainda bem despenquei do meu pedestal. A queda foi breve. E logo caí na real.

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