Ontem estava escuro…

As sensações nos confundem a imaginação desde quando o mundo se fez desse jeito.

Ora faz sol. Ora faz frio. Ou calor. De tempos em tempos neva. Não muito comum por aqui. Na parte de cima do mapa as tempestades brancas e frias tornam o cenário magnífico. Embora bastante hostil. No Brasil não estamos preparados para enfrentar borrascas.  Enchentes toleramo-las. Mas furacões, tufões, grandes catástrofes climáticas não são comuns por aqui.

E há quem diga: pra que tanta coisa mais, já que aqui predomina a podriqueira politiqueira, os toma lá deixa cá, os desmandos na administração do bem comum, e outras coisas mais do mesmo quilate de gravidade dos tais fenômenos meteorológicos, que dizimam muito menos pessoas que as balas perdidas nos enfrentamentos entre a polícia  em sua tentativa inglória de impor a ordem nos morros, naqueles cortiços nefastos, que, infelizmente pululam frenéticos em todas as partes do nosso país. Sabidamente explicados pelo fosso social, pelo desnível entre pobres e ricos, minúsculo quinhão  do nosso povo detém mais de oitenta por cento da renda nacional.

Como dei início ao meu escrito, no primeiro parágrafo grafado antes, deixando atestado que antes fazia sol, de repente o escuro se fez, antes fazia frio, depois o calor se instalou, com seu bafo úmido e quente, assim sou eu, como o tempo.

Ontem estava triste. Já hoje, bem cedo, uma alegria incontida tomou conta de mim. Não sei a razão do acontecido. Talvez seja devido a enorme sensibilidade que faz parte de meu eu.

Sou refém do sol. Minhalma se aquece simplesmente ao olhar pro alto e lá em cima contemplar a luz do astro rei. Embora não me curve à soberania dos que se dizem de sangue azul, prefiro a humildade dos humílimos. Me sinto a vontade entre os de mãos caludas da roça. Como exemplo tomo um vizinho meu, conhecido por Tiãozinho do Aristeu, que evita o contato de minha mão da cidade a sua, por achar a minha fina e limpa. Conquanto mal sabe ele onde enfiei meu dedo indicador na manhã de hoje.  Ele, embora saiba que sou urologista, não imagina o ingênuo Tião se por acaso tinha o dedo enluvado ou não. E se ele foi higienizado em água de boa qualidade, muito embora não tenha a minha água a mesma limpidez da água da mina nascida no fundo do seu quintal de poucos metros de fundura. Onde ele planta verduras tantas, a maior parte destinada a doação a amigos e a quem o visita a frente de sua casinha pequenina, onde ele vive feliz ao lado de sua Vanda querida.

Ontem fazia uma névoa fumarenta. Já hoje o céu está de um azul profundo. Sem nenhum rabo de nuvem indicativo que vai chover.

Agora sinto calor. A minha frente faz barulho um purificador de ar, já que o condicionado não me faz bem a saúde.

Amanhã sabido e ressabido que o calor deve persistir. Da mesma forma que eu persisto nos meus escritos. Tomara chova dentro em breve. Que seja uma chuva leve. Se possível durante a noite.

Mas, já que deve existir a noite, por minha vontade mínima os dias seriam apenas iluminados pela luz do sol, que ela dure pouco. Acho um desperdício passar no leito oito longas horas. Tenho exatos sessenta e sete anos.  Não sei quantos mais me restam. Nem apreciaria saber.

Khalil Gibran disse: “ Não se pode chegar a alvorada a não ser pelo caminho da noite”.

Já disse que tenho medo da noite. Embora digam que ela é necessária para repor as energias. Mais e mais exíguas ao passarinharem os anos.

Ontem estava escuro. Hoje o sol fez raiar o dia. Amanhã será outro dia. Após amanhã não sei o que me espera. Tomara eu consiga ver o despertar de um novo dia.

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