Folhas mortas

Agosto venta e reinventa coisas e loisas com as pessoas.

Mês tido agourento. Seco, faz da paisagem, não fosse a florada dos ipes, cenário desértico e acabrunhado.

O entorno, atapetado de folhas mortas, flores sem vida também se desenham nas calçadas, na relva dos jardins, por toda parte. Elas se mostram causando “tlec tlecs” audíveis por debaixo da sola dos nossos sapatos.

O secume ambiente não faz bem as nossas vias respiratórias. Minhas pobres narinas entopem-se com frequência. Por esse motivo tenho evitado corridas pelo asfalto em distâncias longas, como fazia em meses antes, não tão secos ou frios.

Por pura prudência evito, já que deixo minha casa antes das sete da manhã, proteger meu corpo gasto em anos em agasalhos de lã ou equivalentes. Tomara agosto morra logo, deixe o outono inverno da minha velhice ceder lugar a climas mais amenos. E que nasça logo o verão, ou a primavera, linda como sempre foi.

Agosto me traz velhas recordações. Algumas boas, outras nem tanto. No seu primeiro dia do mês meu pai fazia aniversário. Jazem dezessete anos que ele se foi. Deixando dentro de mim um oco de vazio, assim como foi com a partida de minha mãe. Caso ele estivesse vivo contaria com noventa e sete anos. Minha mãe despediu-se da gente cinco anos depois. Caso ela estivesse ao meu lado, em verdade lá do céu ela sorri pra mim, em fotografias o seu semblante lindo está entre eu e minha esposa, num retrato a minha mão esquerda, por sobre uma estante onde se mostram exemplares dos meus quatorze livros.

Como me fazem falta as duas pessoas! Como fazem falta aos filhos os pais partidos.

O cenário de agosto me deixa reticente e sombrio. Apesar de o sol levantar-se de seu leito quente agorinha mesmo, fazendo-me quebrar as folhas das persianas para que ele, sol, não penetre tanto em minha sala, onde escrevo. Não que a luz do sol ensombre-me a inspiração. Ela tem sito tanta que nem ao menos sei qual o seu peso.  Inspiração tem peso? Se sim, quantos quilogramas pesaria a minha? Nos dias atuais acredito, muito mais de toneladas e toneladas de quilos. Mais que uma carreta igualzinha a que tombou na rodovia na noite de ontem.

Hoje, ao descer a rua, nesta segunda-feira, quatorze de agosto, um tanto sorumbático e carregado de amargura, motivo não o sei, pisei incontáveis folhas mortas. Principalmente da minha casa, perto dela mora a seringueira desterrada, chorosa por ter sido plantada ali, tão distante das suas amigas amazônicas, murtas várias vestindo roupagens ainda de um verde vivo, o solado do meu tênis fazia “tlec tlec” a casa vez que pisoteava folhas mortas.

Um sentimento de vazio inexplicável passeou por mim nesta manhã de segunda-feira. Agora o sol brilha. E eu não consigo acompanhar-lhe o brilho. Por dentro assalta-me uma sensação estranha. Entre angústia e falta de alegria, chamada de tristeza intrínseca. Por que seria? Talvez sejam os ventos de agosto, as folhas mortas pisadas na minha caminhada até aqui.

Não que esteja em vias de ficar depressivo. Ou seria meu ponto down, já que o up talvez tenha passado?

Nesta manhã meio de agosto, ao pisar folhas mortas, senti-me como elas. Morto por dentro, sem razão aparente. Tentando reencontrar dentro de mim a anterior criança que antes morava dentro do meu eu.

Folhas mortas existem por todas as partes. Neste mês de agosto encontro-as dentro de mim.

 

 

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