Genésio na Cacunda do Cheque e Tião sem Fundo

Coisa boa é chegar no meio do mato, naquela rocinha fim de caminho, perdida entre o nada e o fim do mundo, esquecer o palavreado metido, o português castiço, como se fala em Portugal, deixar outros idiomas olvidados para quando a gente vai ao estrangeiro, e, numa fala pausada, arrastada, da mesma forma que o capiau deixa escorrer entre os lábios tostados de sol um paieiro apagado no canto da boca, botar prosa, assim como ele. Falando tudo do “jeitin” que na roça se fala, “atrapaiado”. Comentando sobre o “trem bão, uai, vô sumi na braquiária, pur causo de que, sem acento mesmo, pula pra garupa, sorta a franga que o cão vadio vemvindo, num pode não, menas ruin, com n memo”.

Sô Genésio era um “caboclim” danado de “bão”. Arredio, arreliento, não muito bento no que diz respeito a dinheiro. Fiado era sua mania desde o batizado. Isso foi a longos janeiros. Fazer catira, ou cateretê, a tal dança quando se batem os pés e as mãos, de pulinho, e sim a troca, ou escambo, quando um tem mania de passar manta, não a que se usa no lombo do cavalo, era sua especialidade.

O velho roceiro, que vivia de comprar na caderneta, “oia” que nunca iria pagar a conta, a qual somava tanto quanto a soma de multiplicar que seu neto fazia bem na escolinha rural, que depois, infelizmente, mudou pra cidade, “veiaco” que nem ele só, num “avia” meio de passá-lo atrás do balaio, um belo dia teve o troco de um “cumpade” mais ainda safado do que seus “oio” vesgo.

Acontece que o vizinho de cerca de arame enferrujado, todos os mourões estavam carunchados, ameaçando desabar, nomeado na pia batismal de Sebastião, crescidinho um cadiquinho passou a Tiãozinho, mestre como o amigo de papel mal passado, era mestre em calote. Não em culote, assaz conhecidos nos cafundós onde Judas perdeu a vergonha, e nunca mais a encontrou. Nunquinha “memo”.

Ambos deixaram a roça prejuizenta no mesmo caminhão leiteiro de pneu mais careca que bola de sinuca. Em meio à sacolejantes latões de leite branco da vaca preta que nem urubu depois de sair do balde de piche. “Moiadim” da silva.

E hospedaram-se na “mesminha pensãozinha de quinta catiguria”.

A fama de maus pagadores alastrou-se como fogo no pasto naquela seca de dar poeira nos “oio” dos moradores sofredores da roça.

A soma que os dois deveriam pagar, ao final do mês, contava-se, por baixo, em mais de cinco mil reais irreais, pelas suas posses e economias em bancarrota. A exemplo de um país de nome velho conhecido, reconhecido no estrangeiro como caloteiro do FMI. E cheio de corrompidos corruptos e corruptores com malas e sacolas de grana, que daria para pagar a deuda em apenas dois anos, se menos.

Num mês de agosto quente, seco e ventoso, lindas flores se abriam ao extasiar de olhos, amarelas, roxas e furtas cores, eis que os dois cumpades encontraram-se na mesma casa bancária, banco este não tão aprazível quanto o da praça principal. O de encosto madeira envernizada de fresco.

Os dois “veiacos” queriam a mesma coisa: arrumar um “empréstimo” “pra sarga as conta”, tanto da venda quanto da pequena hospedaria, a do colchão morada de ratos gordos e piolhos graúdos, e da “muié” bunduda, e das tetas tão enormes quanto a da vaca “maiada”, que dava, por baixo, trinta “lideleite” frio. Se quente “intornava us barde”.

A “sardação” foi a mais amena “possive”: “cumpade, qui qui faiz voismecê aqui”?

“Eu memo? A mesma coisiquinha que ocê veio fazê aqui. Num é”?

“Vai pega dinheirin imprestável, num é”?

“Cumé que ocê divinhô”?

“Oia meu oio. Num sô bobo não. Sou ladino pra xuxu” (com x mesmo).

“Pois não. Assina na cacunda do cheque que nóis faiz negocin. Tamo im casa memo. Menas ruim”.

Tomada a grana do infausto e logo demitido gerente do banco, de nome Brasil, ambos sumiram na braquiária. E pularam pra garupa. E nem égua cupinzeira havia.

Genésio Assinatura na Cacunda do Cheque e Tião Sem Fundo nunquinha foram vistos nos arrabaldes. E jamais deram o ar desgracioso das suas desgracas sem graça.

 

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