A flor do assa-peixe

Agosto em seu começo, sem sinal de chuva a vir do alto, céu azul, sol ameno, relva seca, esturricada, poeira deixando tudo vestido em sua cor, animais ruminantes, equinos, varando cercas em busca de melhor comida, o homem do campo olhando pra cima, desalentado pelo secume ambiente, para alegrar-lhe o semblante a natureza dava seu show costumeiro, sob a forma do colorido alegre das flores tantas que se deixam ver à distância, na planura do horizonte infinito.

Ipês amarelos faziam despencar flores no solo poeirento. Quaresmeiras roxas da mesma forma vomitavam flores da mesma cor, só que mais perenes que as dos ipês. Bougainvilleas idem da mesma cor das quaresmeiras enfeitavam muros altos protetores de moradas tanto dos nouveaux richs quanto dos menos aquinhoados pela sorte. Azaleias e jasmins da mesma forma sorriam.

Foi neste cenário de inverno, temperaturas em alta, que aquela menina desapetrechada de beleza foi criada, desde tenra idade, até quando a vi à beira da estrada.

Nesse mesmo lugar, caminhando por uma estradinha curta, na minha roça, neste sábado, doze de agosto, véspera do dia dos pais, deparei-me com um arbusto de porte mediano.

Era uma arvorezinha de assa-peixe, recém-florida, naquele pasto coitado, que carecia tanto de cuidados, uma boa roçação, e, mais tarde, depois de uma aração bem feita, seguida de adubação com calcário de boa procedência, ali ser semeada boa semente, de um capim resistente à estiagem.

Estava bem acompanhado de meu amiguinho, um cão ainda filhote, da raça pastor alemão, assim batizado de Del Rey. O pobre cãozinho vive entre telas, num canil feito de lado da minha casa à beira da represa do Funil. Logo logo, assim que a cerca de tela tiver fim, Del Rey vai ter mais espaço para folguedos, já que ele vai se tornar, em adulto, daqui a um ano ou menos, o vigilante do Solar do Paulo da Rosa.

Não tive como interromper a caminhada lenta ao me ver diante da linda arvorezinha de assa-peixe. Del Rey estacou bem ao lado. Mordiscando-me a calça já bem suja de suas lambidas amistosas.

Levemente rocei dois dedos nas flores do assa-peixe. Elas encolheram rebeldes. As folhas da arvorezinha, ditas medicinais, boas para várias doenças, entre elas: contra asma, eficaz para estados gripais, expectorante, diurético, indicada para tratamento de cálculo renal, para controlar sangramento, analgésica, com efeito para dor muscular, e outros mais.

Como urologista nunca prescrevi infusão de folhas de assa-peixe no tratamento de pedras nos rins.

Naquela instante mágico, eu e meu amiguinho cãozinho feliz por estar solto do seu pequeno cercado, provisoriamente, estáticos ao lado da arvorezinha de flores brancas e perfume discreto, ao relar o dedo da mão na florzinha recém-desabrochada, juro que sim.

Escutei, não foi uma ilusão de audição, um sonoro “ai”! nascido de dentro do tronco esguio do arbusto dito medicinal.

Del Rey latiu assustado. Eu, muito mais.

De pronto retirei a mão da flor da arvorezinha de cores brancas e frágeis. Senti que ela aquietou o “ai”, para mudar o som para “que bom”.

Andamos, Del Rey e eu alguns metros adiante. Paramos e retrocedemos. Num átimo de momento.

Não tive como não retirar algumas flores do assa-peixe, ainda jovem, num movimento rápido. Para não causar incômodo maior a flor e a sua hospedeira mãe.

De novo um choro agudo se fez ouvir. Era uma voz de menina. Diferente do pio da coruja, ali perto, por cima de um cupim morto, acabei de escutar, levemente.

Preocupado com o mal causado ao pequeno assa-peixe, por ter-lhe retirado uma das suas florzinhas recém-desabrochadas, certamente ela iria viver semanas a fio na sua mãe assa-peixe. E eu, com minha atitude intempestiva não lhe permiti vida mais longa.

Trouxemos, Del Rey atrás, latindo feliz, por ter-lhe deixado sair de sua pequena morada, as florzinhas de assa-peixe com extremo cuidado à casa Amarelazul.

Foi quando, prestes a retornar a minha cidade, após de novo deixar Del Rey em seu canil, municiar-lhe a vasilha de ração e água, fresca, à vontade, ao depositar as flores brancas e perfumadas em outro arbusto, da mesma espécie, outro assa-peixe, quase igual, acreditem se puderem e quiserem.

Uma metamorfose absurda e maravilhosa se fez notar. A flor de assa-peixe se transformou numa linda menina moça, mulher, vestindo um vestido de chita de cor branca de fazer arder os olhos, de tanto branca que era.

Estupefato pela visão, atônito, boquiaberto de susto e surpresa, belisquei-me para comprovar o que meus olhos enxergadores avistaram.

A menina moça mulher, olhou pra mim, despediu-se num farfalhar de asas como um beija-flor branco, coisa rara, e a seguir sumiu na estrada.

Uma vez aqui, nesta tarde, quase noite, ao olhar pela janela do sétimo andar, de onde escrevo e sonho tanto, mais uma vez penso ter visto, a voar rumo ao alto, a um céu cinza misturado ao amarelo, a moça linda saída da flor de assa-peixe.

Seria mais um devaneio meu? Ou não? Se sim, ou não, não me impeçam de sonhar. Nunca, jamais.

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