“Pra mim pouco importa!”

O frio buzinava gelado em meados de agosto.

Nada de chuva. A seca mostrava a poeira desde o alto do morro até lá embaixo, no curral, onde vacas esperavam impacientes a chegada do retireiro.

Na entressafra o preço mixuruca do leite ia ao fundo do poço. Mal cobria as despesas com os insumos. A soja subia às alturas. O fubá moído ia às estratosferas causando uma balbúrdia na cabecinha oca do Celinho. Aquele caboclinho tinhoso. Que amava as vacas e nem tanto os animais, ditos humanos, que as dizem possuir.

Naquela manhã agourenta tudo ia de mal a pior. Não chovia há meses. A azulice do céu indicava mais sol no decorrer do dia. E o frio de fazer encapotar pinguins era um convite a não deixar a cama. Mas quem diz que Celinho conseguia dormir? Passava a noite em claro preocupado com o dia seguinte.

Era ele e só a cuidar daquela pequena rocinha. Herança de pai morto no ano passado. Como era filho único não havia outro a quem recorrer. Celinho já havia pensado em vender a sua propriedade. Mas fazer o quê na cidade? Ele não tinha outras aptidões. Mal sabia ler ou escrever. Mal estudou até o primeiro grau.

Aos dezoito anos pensou em se casar. Mas mulher na roça não fica. Já teve uma rapariga que lhe infernizou a vida. Aquela troca insultos pouco durou. Entre tapas e beijos, aquele amor que mal começou, acabou terminando bem mal. Dorotéia fugiu pela janela. Levando com elazinha tudo que Celinho possuía. Inclusive as desventuras de tentarem viver juntos.

Naquela manhã agostenta Celinho acordou ressabiado. Era por volta das cinco da manhã. Um friozinho insistente ventava lá fora. Mal se via vivalma devido a uma cerração densa.

Na noite passada, passada em brancas cobertas, pela televisão Celinho assistia as noticias do dia.

Era a mesma ladainha. Quase um padre nosso do vigário zarolho que rezava missa na igrejinha da comunidade.

“A partir de hoje serão taxados em cinquenta por cento os produtos a serem exportados para os Estados desunidos. Foi decretada a prisão domiciliar do ex presidente por expor suas ideias de jerico nas redes anti-sociais. A câmara dos sepultados ira ver ressuscitados seus deputados. O carequinha do STF sofre sanção do tal Sansão topetudo que pensa ser dono do mundo. Ontem uma carga de carne roubada foi saqueada por uma turba faminta sob olhares contemplativos da policia. Que acabou levando pra casa as picanhas que eram carne de segunda. Petistas em polvorosa diziam que o presidente era gente em quem se pode confiar. No entanto dúvidas pululam na cabeça dos esclarecidos.”

Com tanta prosa ruim martelando em sua cabeça Celinho tinha mais no que pensar.

Como pagar as prestações atrasadas da luz e água? E aquela do empréstimo bancário? Vencida no ano passado? Se o preço pago pelo litro de leite nem dava conta de cobrir as despesas?

A danada da bandida da Dorotéia o havia deixado de sunga sem saber nadar. E agora ele ficou com uma mão na frente e a outra tentando tirar leite.

Naquela manhã agostenta Celinho pensou em se mudar. Pra onde?  Pergunta que ficou dependurada no ar.

Pensando nas noticias do noticiário do dia. Do estado de calamidade pública por que passava o pais. Da balbúrdia ensandecida que percebemos a cada dia. Das maracutaias que fazem no planalto central.

Celinho acordou desmiolado. Sem saber se ficava ou se escafedia na braquiaria.  Cada vez mais seca na estiagem.

Foi quando a ele perguntei: “Celinho. O que pensas da situação do nosso Brasil”?

Ele coçou a pioenta. Tirou o boné furado por onde nascia um pezinho de milho. E me disse entre dentes que não tinha.

“Ah! Pra mim pouco importa. Se eu entrar por minha porta melhor ainda. Mas quando todas as portas se fecharem ai sim. Não terei pra onde ir”…

Foi quando pensei ir embora pra Pasárgada. Pena que lá não seja amigo do ex presidente. Nem mesmo do atual…

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