Longe de mim esse pensamento.
Em nenhum momento tenho pensando na morte. Embora ela seja verdadeira como o amor de mãe por seu filho. E ela chega quando a gente se despede da vida. Numa hora imprevisível. Pra muitos ela se antecipa. Pra outros ela chega na hora certa. Quando a saúde nos abandona. E somos deixados inermes num leito de hospital. Sem podermos ao menos abrir os olhos e dizer com um aceno de mãos: “por favor, deixem-me partir, já vivi o bastante. Agora sofro demais, chega de sofrer tanto.”
Vida sim, quero-te pertinho de mim. Te desejo como o maior amor que já tive em vida. Desfruto de tua pessoa desde a madrugada, ao acordar, até que a noite mostre a lua bem no alto. Amo-te vida, como ainda amo a minha mãe. Amo meus filhos, e transmito esse mesmo amor aos meus netos. E estendo essa mesma paixão a minha esposa. Que a essa hora ainda dorme.
Amo as madrugadas. Tenho verdadeiro afeto pelo sol que inunda a terra com sua luminosidade. Mas não me seduz a escuridão das noites. Tenho medo das noites pois temo não acordar vivo.
E quando chegar a minha hora de partir que esteja preparado para descobrir se existe de fato outro lado da vida. E esse lado me encanta. Onde me encontro me acho.
Quando chegar a hora de minha despedida que seja numa data ainda distante. Se pudesse escolher o mês e o ano que fosse numa data imprevisível. Num ano ainda não assinalado no calendário. Que seja num dia ensolarado. Depois de uma chuvica passageira onde um arco íris enfeita a linha do horizonte.
Quando chegar a minha hora que eu possa retardar os ponteiros do relógio. Melhor ainda se eles parassem e eu pudesse voltar atrás, horas, dias, meses antes.
Quando chegar a minha hora de partir que muitos amigos estejam presentes. Não para prantearem a minha ausência. E sim amigos de verdade que possam dizer: “ele sim. Era um amigo de verdade”.
Quando chegar a minha hora que ela chegue bem devagarinho. Que não se apresse tanto. Que não cause comoção aos que ficarem. Pois bem sei que logo irão se esquecer de mim. Daquilo que disse ou deixei escrito nalgum dos meus livros.
Quando chegar hora da minha despedida que não faltem risos e aplausos a minha partida. Não quero coroa de flores no meu velório. E nem desejo lágrimas e sim palavras de conforto aos familiares que me rodeiam. Já que lágrimas secam. Palavras se perdem na ventania. Se possível for não se esqueçam de ler algum dos meus livros. E não os têm peçam emprestados. Não permitam que suas páginas não sejam abertas nesse momento que meus olhos se fecham.
Quando chegar a hora ingrata da minha partida que se despeçam dos meus restos mortais sentindo de fato a minha ausência. Não inventem sentimentos menores. Não digam como ele era bom. Se esse sentimento não estiver enraizado no seu cerne.
Quando chegar a minha hora que digam verdades sobre mim. Não inventem falsas qualidades. Se por ventura não me conheceram deixem que outros falem bem ou mal de minha pessoa.
Quando não mais estiver por aqui me procurem lá nas alturas. Quem sabe eu estarei pegando carona nas asas avoantes de uma águia ou até mesmo de um pardal vira lata.
E quando da minha partida tomara possa, com minha prosa insossa, contaminar aqueles que não gostam de ler.
E quando eu morrer, lhes peço. Lembrem-se de mim como alguém que tentou semear cultura em mentes obscuras. Incutir letras e palavras em páginas e páginas em crônicas que perfazem mais de milhares.
Quando tiver de morrer penso deixar como legado uma breve e contundente lição de humildade. Retrato fiel do que fui e sou. Um médico dividido em duas metades. Aquela que tenta curar e atenuar dores. E a outra que não consegue sobreviver sem a minha escrita que me seduz tanto.