Preocupa não

Quantas vezes perdemos o sono, que pra mim escasseia, por motivos distintos.

Preocupações nos assediam. Com o futuro de nossos netinhos, já que não sabemos o que está por vir. Com o futuro incerto nesse pais meio perdido entre noticias verdadeiras e outras meras fake news.  Vivendo em meio à violência desmedida onde pessoas de bem se sentem perdidas e desassossegadas. Nessa marafunda conturbada onde guerras não têm fim. A vida deveria ser vivida onde preocupações não ocupassem tanto espaço. E fossem resumidas a um cadinho só.

Mas quem diz que as preocupações nos deixam em paz. Vivemos em meio delas, sem sequer pensarmos em nos livrar dos incontáveis problemas que nos atormentam.

Meu tio, que infelizmente passou a outra vida num  ano passado. Irmão do meu saudoso pai. Cujo nome era Zito. Em cuja fazenda passava as férias de final de ano. Acredito ter sido ele quem me deixou a herança de tentar ser fazendeiro. Era um sujeito bonachão. De bem com a vida nunca vi meu tio franzir ao cenho. Ele ria da própria desgraca. Um sorriso sem graça, meio debochado dele mesmo, quando o preço do leite descia ao rés do chão.

Ele era de acordar cedinho. Ia ao curral ordenhar as vacas usando os cinco dedos de uma só mão. A outra ele usava para afastar as moscas. Que de vez em sempre teimavam em entrar no balde. Tomando um leitinho quentinho recém saído das tetas das vacas.

Tio Zito era mestre em contar causos de assombração.

Assentados no rabo do fogão a lenha. Eu e minhas priminhas lindas de Varginha. Cidade que se notabilizou depois de ver pousado o ET. A tudo escutávamos sem emitir um pio. E eu, querendo me fazer de valente. Meninote ainda, fingia que ia até a cruz de uma tal de Francelina. Que nem sei se ela de fato existiu.  E voltava antes de chegar lá borrando de medo. Com as calças meio sujas no traseiro. Gabando-me de não ter nenhum medo embora ainda fosse homem pela metade.

Tio Zito era um falastrão de verdade verdadeira. Era de jogar conversa fora e não levar desaforo pra casa. Ele, se tinha preocupações, não demonstrava.

Pra ele tudo era festa, mesmo se ela terminasse em pancadaria. Era um sujeito de guardar na memória.  Um exemplo de pessoa reta caminhando por uma estrada torta.

Ainda me lembro daquele dia.

Era dezembro em seu começo, quase dia do meu aniversário.

As minhas notas na escola não eram das melhores. Em português sim. Mas na matemática…

Estava prestes a ficar em recuperação e ter de voltar a minha casa para estudar mais um cadinho.

Dezembro ainda mal no começo e euzinho sem poder esticar as minhas férias.

Foi esse o papo que tive com meu tio Zito. Preocupado que estava com a possibilidade de perder o ano.

Não consegui dormir aquela noite. Estava de cabeça repleta de preocupações.

Tio Zito percebeu a minha intranquilidade e chamou-me as falas.

“O que esta acontecendo meu caro sobrinho? Ontem você me pareceu tão bem. Até foi a cruz da Francelina. Ela me disse que te encontrou lá. O que está te preocupando”?

Euzinho, na tentativa malograda de dizer que ia tudo bem, mal disfarçando minha preocupação com as notas. Acabei me abrindo com ele.

“Tio, parece que vou ficar de recuperação em matemática. Não gosto dessa matéria. A ela prefiro as letras. Vou ter de voltar à cidade. Pena, aprecio muito a vida aqui na fazenda”.

E ele me respondeu com aquele sorrisão costumeiro: “preocupa não. No ano que vem você se dedica mais à matemática. E deixa de escrever tanto”.

Mas até hoje não tomei jeito. Continuo do jeitinho que era dantes. Amando as letras e renegando os numerais.

 

 

 

Deixe uma resposta