Decidido

As dúvidas se dissiparam.

Agora, nesse momento exato, fechei a minha decisão.

Não sabia ainda o que fazer. Já que se passaram tantos anos. Agora, entrando nos meus setenta e cinco. Que logo irão passar os oitenta. Quem sabe chegou a hora de me aposentar por completo?

Naquele dia assentei-me a um banco da praça. Era ainda cedo. Um friozinho gostoso intimou-me a tomar um café. A padaria ainda estava deserta. Não se via vivalma salvo as funcionárias nas suas espertezas costumeiras. O padeiro, madrugão como eu, já desperto antes das quatro, tirava do forno a primeira fornada de pães. Tomei meu cafezinho e voltei à praça. Assentei-me ao mesmo banco pensando estar a sós naquele lugar cheio de verde e canteiros com flores coloridas.  Comecei a ler um jornal. Nada havia de novidade a não ser noticias costumeiras. Guerras, assaltos a mão armada, corrupção nas altas esferas, e nada de páginas onde noticias alvissareiras pudessem ser lidas. Deixei a leitura pra outro dia. Pássaros cantavam numa árvore que fazia sombra por cima de mim.  Minutos se foram. Foi quando um velho conhecido, por sua prosa ruim, pediu licença para assentar ao meu lado. Não tive como dizer não. Pena que não tinha um tapa ouvidos para não escutar suas lorotas. Eram tantas mentiras que acabei pedindo para me retirar, dizendo que estava na hora de voltar a minha casa. Ele continuou falando pelos cotovelos falastrões. Não pude mais suportar e sai do banco. Voltei a minha casa sem saber o que fazer naquele dia de tanto sol e calor.  A vida sem fazer nada pra mim não tem sentido. A aposentadoria completa a mim cheira ao final dos tempos. Quando se espera que fechem a tampa do caixão e nos levem a sepultura.

A tarde passou num átimo. Não tinha nada a fazer. Ir ao clube dos desocupados? Voltar à mesma praça e ter o azar de aquele esvazia banco pedir para assentar comigo? Nem com reza mansa.

Passei o resto da tarde a ouvir o barulho do silêncio. Comecei a leitura d e um novo livro. Quando dei por mim já era noite. Mais uma noite em claro tentando dormir na escuridão.

Amanheceu de novo. Grande novidade. Mais um dia sem nada a fazer.

Acabei voltando à mesma praça, a mesma hora costumeira. Comecei a ler o jornal do dia. Apenas noticias ruins e nada de literatura. Fui à padaria. Tomei meu cafezinho mal acompanhado de um pão frio sem manteiga. Aquilo me faz mal.

Voltei a minha morada. Mais um dia morto como eu me sentia.

Acabei por tomar uma decisão. Melhor assim.

Mandei as favas a minha aposentadoria. Voltei ao meu consultório à espera de novos pacientes. E aqui estou. Bem cedo como costumava fazer.

Daqui de cima posso ver a praça e mais em baixo a padaria. O cara chato deve estar pedindo licença para assentar-se ao lado de outro qualquer. Ainda bem que não sou eu.

Minha decisão é irrevogável e irreversível. Não volto atrás jamais.

Vou continuar como médico urologista. Escrevendo o que minha inspiração dita. Importunando a vocês até quando me permitirem.

Aposentar-me por completo jamais. Decidi-me agorinha mesmo. Fim de papo.  Ficar de papo pro ar eu heim? Trabalhar não mata ninguém. Ficar à toa sim.

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