De repente acordei menino.
Beirava os sete anos. Avizinhava-se o carnaval.
Morando naquela mesma rua. Que daqui se avista a mão esqquerda.
Dois anos depois de me mudar de Boa Esperança. Cidade onde nasci descobrindo o mundo pela primeira vez. De onde trago boas lembranças retratadas em velhas fotografias que guardo as minhas costas. Uma delas apontando meu dedinho da mão direita como se fosse o cano de um revolver em direção ao nada. E eu, lourinho, quem saberia dizer em que idade me encontro não está mais aqui. A teceira mostra-me peladinho num galinheiro de galinhas brancas. E quase perdi minha fimose. Talvez seja essa ocasião que me tenha feito decidir pela especialidade anos mais tarde. Outra me mostra todo medroso, de mãos ao alto, nos ombros do meu querido pai. Tendo minha mãezinha do lado. Ambos jovens ainda. E noutra uma velha fotografia da minha mãe, vestida num uniforme azul escuro. Com uma linda camisa branca suspensa por um suspensório. Talvez seja o mesmo uniforme que ela usava quando se formou no curso normal.
Ao acordar ainda criança. Boas lembranças me trazem o meu cãozinho Rebel. Peludinho meio viralatinha. Que morreu em minha defesa. Quando saímos à rua e fui ameaçado por um canzarrão feroz. Rebel não se intimidou. Atracou-se de unhas e dentes com o cão bem maior que ele. E euzinho, medroso me escafedi. Só retornei horas mais tarde. E descobri meu amiguinho Rebel mortinho meio escondido numa moita de capim. Não tive como dar-lhe um enterro decente, pois ele bem o merecia. Nos dias de agora meu cãozinho de estimação pode ser visto em velhas fotografias. Noutra se mostra minha irmãzinha Rosinha linda como uma boneca de nome Beijoca.
No dia de hoje sonhei esse sonho gostoso. Brincando naquela rua de nome Costa Pereira. Ainda descoberta daquela manta asfaltica. De terra batida. Anos mais tarde foi-lhe dado de presente um calçamento de pedras duras. Chamadas de um nome complicado-paralelepipedo.
Sonhei com aquele clube onde até hoje frequento. Agora em constantes reformas para dar mais conforto aos associados.
Sonhei com algumas travessuras que eu fazia. De vez em quando ficava de castigo. Assentado de costas à televisão. Sem pode assistir aos desenhos animados do Tio Patinhas mergulhando na sua piscina cheia de dinheiro. Notas graúdas que até hoje me seduzem tanto. Para sair do tal castigo, mais que merecido, que já durava horas e minutos, chorava implorando a minha mãezinha suplicando por aquilo que mais detestava: “mãe! Quero leite!”
E ela me deixava sair enternecida.
Sonhava sempre, na minha meninice peralta, ao se avizinhar dezembro, datas quase coincidentes do meu aniversário e da visita de Papai Noel. Ganhar presentes em dobro. Mas não era do costume ser presenteado duas vezes. Ganhava uma bicicletinha de rodinhas amarelas no meu aniversário. E uma patinete motorizada no natal do ano seguinte.
Sonhei, na noite de hoje, alguns sonhozinhos pra lá de apetitosos.
Ainda meninozinho, cabulando aulas, fingia estar doente. Ficava na cama até mais tardar da hora. E quando minha mãezinha ia aflita à farmácia do Seu João. Temendo ele me fincar injeção logo melhorava. Mas já era tarde. A porta da escola já estava fechada. O bedel não aceitava retardatários.
Sonhei um sonho colorido. Em que borboletas azuis se metamorfoseavam em cores multicores. Esses sonhos não sonho mais. Nos dias de agora sonho em preto e branco.
Quando menino, beirando os dez anos, sonhava com as férias de final de ano. Quando ia a fazendinha das tias de Perdões. A rocinha da Cachoeira não tinha cachoeira. E sim um poço profundo. Onde mergulhávamos de narizes tapados. Lembro-me de um dia quando um primo de Perdões foi ao fundo do poço. E de lá retornou arfante de cansaço.
Na manhã desse dia. Quase semana de carnaval. Sonhei com Arlequim tentado beijar Colombina. Que se esquivou desse beijo bem dado. E fui eu quem a beijou. Pena que tudo não passou de mais um sonho meu.
Se disser que ainda sonho não digo a verdade. Pena que quando um velho sonha ele acaba caindo da cama.
Já eu, não mais menino, deixei de sonhar a tempos atrás.
Que bom seria dar marcha à ré nos sonhos. De novo trazê-los de volta, nos bons tempos de criança.