Desejos de um velho

O envelhecer é inevitável. Sofrer por isso opcional.

Da mesma maneira que não se pode escapar da passagem dos anos não se amofine.

Envelhecer é um privilegio. Muitos param no meio do caminho.

Desde que a velhice, qual seja a senilitude, não seja um fardo pesado aos seus ombros. Viva, orgulhe-se disso. Alegre-se por ver-se cercado por seus netinhos. E sinta-se criança ao lado deles. Não existe palavra que a mim soa melhor do que um sonoro avozinho.

Não se sinta melindrado se o chamarem de velho. Diga e repita aos ouvidos zombeteiros daquele ou daquela senhora: “olha! Não me sinto assim. Se quiser me chamar de um termo pejorativo me chame de velho gagá. Ainda estou consciente do valor que tenho. Já colecionei anos. Trabalhei e deixei exemplos a serem seguidos. Talvez você ainda se sinta jovem. Mas tenha certeza, a idade chega. Espero que anos a frente tenhas a mesma clarividência que ainda tenho. E que ao final de sua vida despeça-se provocando saudades. Pois esse sentimento só quem provoca aquele que tem amigos”.

O velho não deseja muito.

Já desejou muito mais quando ainda vivendo no frescor dos seus verdes anos.

Agora, que deixou a infância anos atrás. A juventude se foi na velocidade de um cometa. Não cometa loucuras de achar-se criança. Suas fraldas são outras. Seus costumes mudaram. Seu andar se torna vagaroso. Sua fala de poucos decibéis.

O velho deseja viver um cadinho mais. Desde que em saúde quase perfeita. Se puder caminhar pelas próprias pernas, melhor ainda. Se não use muleta ou andador.

O velho deseja viver até quando puder dizer como eu me sinto bem ao lado de minha família. Mas se um dia ela o renegar que o permitam viver na mesma casa onde viveu feliz anos a fio ao lado da esposa amada que um dia partiu.

O velho deseja muito pouco. Desde que não o impeçam de dirigir. E se ele tirar o carro da garagem deixem-no ir em paz. Ele tem a carteira de motorista que já foi revalidada. E se não enxergar muito bem vai junto a ele no banco do carona. Quem sabe assim seu avozinho querido vai ter o prazer de pensar que ainda é capaz.

O velho tem desejos que podem parecer esquisitos. Pode querer comer um torresmo bem durinho. Mas se ele não conseguir mastigar não o ofendam dizendo: “vô! Use Corega na sua dentadura. E não se esqueça onde a deixou. Pode ser naquele copo de água no criado mudo a beira da cama”.

Seu velho avozinho pode deseja se lembrar qual foi a derradeira vez que namorou. Mas não o impeçam de viver no passado. Foi lá que pela vez primeira tentou fazer aquela coisa subir, mas ela desceu. Sua decepção foi tamanha que ele nunca se perdoou.

Se seu velho avozinho te pedir pra levar a um cinema. Leve-o não a matinê. Pois ele adora ver filmes de ação. Aquelas películas que o remontam aos tempos de mocinho e bandido. Em que ele era o mocinho. Salvando a sua mocinha amada das garras dos bandidos.

Os velhos desejam quase nada. Desde que não o abandonem numa casa de idosos. Pois foram eles que construíram nossa casa.  Que no futuro vai ser demolida a fim de edificarem mais um espigão.

E tenham consigo mesmo. Ser velho não é padecer no paraíso. Paraíso deve ser aqui mesmo. Na mesma terra que um dia vai nos consumir.

Os velhos desejam apenas um cadinho.  Por isso não deixem de acarinhá-los.

Trate seus pais e avós com o maior carinho enquanto os tiver ao seu lado. Pois quando eles faltarem ai não vai ser possível dar-lhes mais um abraço.

 

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