As macacoas da Dona Marly

Tem gente que não se contenta em desfrutar de saúde plena.

Sempre arruma uma doencinha para se queixar.

Ora o queixume se resume numa dorzinha de cabeça que atormenta. Outra hora, sem hora de terminar, uma dorzinha de barriga. Que deve ser causada por uma lombriga faminta. Passa a ser o incômodo que faz doer o lombo. Já que a dor de barriga foi substituída por uma dor de lado. A tal dor na cacunda que se irradia para a bunda. Não deixando aquela dona em paz.

Tudo isso se deve ao sedentarismo. A falta de exercício físico. Ao passar o dia inteiro olhando pro vazio do nada. Sem ao menos levantar o assento daquela poltrona. Assistindo na televisão as tais novelas que tem começo igual ao fim, de tão previsíveis que são.

Dona Marly até que não era tão redondinha assim. De altura mediana. Clarinha como a luz da lua que nos alumia. De um sorriso doce como algodão feito com açúcar sem adoçante.

Elazinha, ainda mocinha pudica. Aos quase vinte se enamorou de um rapaz sem eira nem beirada. Ela vivia tropeçando pelas estradas. Acostumado a tomar todas e mais algumas.

Aquela relação começou de mal a pior. Todos na cidade sabiam que aquele rapaz valia menos que nada. Mas quem diz que se da ordens ao coração? Marlizinha estava perdidamente apaixonada por aquele traste inútil. Que só servia para copular. Mesmo assim ajudado por um remedinho de cor azul da cor do mar.

Ele, de pronto, quando sua namorida embarrigou. Deixou-a ver navios na praia dos aflitos. E disse adeus e nunca mais apareceu.

E como Marly sofreu. Perdeu a graça pela vida. Ganhou alguns quilinhos que não foram poucos. Começou a tomar remédios receitados pelo doutor Google na intenção de ismagrecer (está correta essa maneira de escrever emagrecer). O que acabou não acontecendo.

Já aos trinta fugia da balança como o diabo da claridade. Até que não era feia. Conservava a  beleza dos verdes anos.

Vivia de consultório a outro. Num dia se consultava com o médico de glândulas. Noutro revia como estavam as partes intimas.

Fazia questão de fazer exames. Mesmo sendo desnecessários.

Marly um dia apareceu por aqui. Nada tinha de doenças da minha especialidade. Mas, acostumada a se consultar com Deus e todo mundo aqui veio por indicação de uma amiga.

Assentou-se defronte a minha cadeira e desfilou  seu rosário de queixas.

“Doutor. O senhor conhece algum remedinho para tratar enxaqueca? Tenho uma dorzinha de cabeça sempre à mesma hora. Já tentei de tudo um cadinho, mas sempre ela volta. Ah! Antes que me esqueça uma dor de lado não se sabe o que é. Seria pedra no rim? Já fiz até ressonância e nada deu. Seriam um câncer que me rói os ossos? E minha dor nas costas? A minha coluna está meio torta. Seria esse o motivo de tal sofrimento? E sempre durmo antes da novela das nove que nunca começa na hora. Dizem que ronco. Não sei por que estou dormindo e não oiço. Tomo remédios para quase tudo. Ainda não tomei por receita sua. E suo muito. Meu sovaco molha tudinho. Tenho asma e bronquite. Nunca fumei mas penso que talvez seja melhor começar. Ah! O senhor pode me dar receita para ismagrecer? Nunca fui a academia. Tenho vergonha do meu corpo fora do peso. Antes que me esqueça anotei aqui, nesse papelzinho, alguns lembretes. Tenho dor na batata da perna. Quando esquenta ela assa. E no joelho também. Ele incha na lua cheia. Na minguante ele desincha. Doutor, meus cabelos estão caindo. O chão do banheiro fica lotado de tufos de cabelos. Não sei se são meus. Tomara que não. Nesses tempos secos meu nariz quase não respira. Devo usar algum colírio nos oios? Eles ficam irritados na parte da tarde. De manhã também. Ah! Já ia me esquecendo. Estou meio esquecida. Seria falta de oxigênio no cérebro? Mais uma coisinha de nada. Quando vou pra cama com alguém faço de conta que chego ao clímax. Mas é puro fingimento. O senhor pode dizer qual a doença que mais me aflige? E o diagnóstico? Até hoje não sei.”

Terminada a consulta ainda não cheguei a conclusão sobre qual seria a pior macacoa da dona Marly. Consultando os compêndios de medicina achei essa palavrinha –piti, qual seja- simulação, piripaque, poliqueixumes ou chamamento de atenção no atendimento.

Antes de prescrever a receita queria a opinião de vocês. Qual seria a maior macacoa da Dona Marly? Eu ainda não sei…

 

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