“Ni quem cê vai votá”?

Essa pergunta me tem apoquentado nesse quase finado ano quando se aproximam as eleições.

Mesmo sendo isento de deixar meu voto na urna. Já que minha idade me faculta essa regalia.

A cada ano ali compareço. Na certeza que todos nós, brasileiros e nossas caras inteiras (mulheres não são apenas metades da gente), temos não apenas e tão somente o direito e o dever de escolher quem nos vai dirigir nos próximos anos que se avizinham. Tanto esse pais que dizem ser tão promissor. Uma nação a deriva num mar revolto. Que nos causa revolta pelas distorções sociais. Onde a esmagadora maioria nada tem em detrimento de uma minoria que detém bem mais da riqueza nacional. E devemos votar em candidatos que mal sabem identificar entre o joio e o trigo.  Deixando suas mensagens que não nos parecem verdadeiras. Um monte de besteiras em horários televisivos. Naquele horário gratuito que de vez em quando mostram caras desconhecidas. Pessoas que nunca fizeram nada pela comunidade e de repente alardeiam falsas promessas. Em campanhas indigestas emersas de bocas cuspideiras de sandices.

Desculpem-me o desabafo. Nunca me apeteceu a tal política.  Assuntos como ela, religião e futebol, prefiro me calar. Já que em boca fechada e em dedos ariscos, nas minhas escrevinhanças diuturnas, melhor não meter o bico bem disse o compadre Benedito.

Já votei no velho Tião. Ele prometeu remendar o viaduto. Mas assim que foi eleito virou as costas aos que nele acreditaram. E a tal ponte continua a mesma. Quando chove a água cai por sobre a mesa do pobre eleitor que votou nele. Que ainda mora debaixo do tal viaduto, pois não tem onde morar.

Já depositei meu voto na urna em intenção da candidatura doutro candidato no qual acreditava. Mas o danado acabou desviando o dinheiro da merenda escolar para comprar a casa onde a sogra mora. Que hoje se transformou numa mansão. E vive ali de mansinho sem sequer saber o que penso da próxima eleição. Se vou votar nele? Não sei não.

Já votei, num pleito que se foi ao longe. E me enganei quadradamente, num candidato a presidente. Hoje de novo ele foi guindado ao mesmo cargo. Se pudesse, e meu voto contribuísse para melhorar o cenário poluído do planalto central. Não votaria nele jamais.

Mas outra eleição se avizinha. E vou votar de novo.

Melhor ter cuidado para não trocar gato por sapato.

Em quem eu voto nem a mim mesmo confesso. Nem ao padre no confessionário digo.

Já na minha rocinha. Que não fica aqui e sim na zona rural de Ijaci.

Tenho um amigo. Cujo nome é Tião dos Aflito. Que me causa aflição só de ver sua correria na faina diária. Já que ele vive só entre vacas baldeiras que comem mais que eu.

Nessa seca que faz a poeira se levantar. Nas pobres minas que secam cada vez mais.

Nas pobres vacas que morrem de inanição. No preço do leite que sempre perde para as despesas de produção. Na pastaria que perde a serventia mais e mais sujeita a queimadas.

Na desolação da passarada que avoa sem saber pra onde ir. No pobre menino da roça que tem de ir à escola, mas falta condução.

O velho Tião dos Aflitos, naquela manhã ensolarada do mês de outubro. Ao acordar bem cedinho.  A espera da condução pra ir à cidade. Já chegou o dia da votação. Ao tomar o busão lotado. Encomendado por um candidato desconhecido que havia prometido melhorar a estrada e não cumpriu. E ela continua a mesma. Esburacada e na chegada da chuva vira um atoleiro só. A tal condução não chega. E o velho Tião tem de ir a pé mesmo. Nos seus quase oitenta nunca faltou de dar seu voto. Mesmo tendo sigo enganado ele continua indo e voltando. Acreditando que o pais vai de mal a pior.

Um dia a ele perguntei: “ni quem cê vai votá”?

Já na boca de urna ele respondeu, coçando o bigodinho branco: “ah! Tô meio disiludido. Já fui disinganado por uma porcaria de uma penca de candidatos. Eles num me valeu nadica de nadinha memo. Um me prometeu, se eu votasse nele, dois saco de cimento. Minha casa acabô e o cimento num veio. O outro veiaco me disse que ia me dar um burrinho novinho. O meu já tá mais veio qui eu. Agora eu tenho de puxar minha carroça, pois o burro empacou e não veio.

Outra disulisão veio na ereção passada (não seria eleição? A ereção estaria faltando ao velho Tião?). Votei noutra pessoa. Que se dizia amiga de nois da roça. O fio da puta veio aqui pertin e num vortô mais. E ainda por riba acabo levando a mio muie de nois. E cumo nois sinte farta dela. Nem imagina como aquela cadela esquentava nossa caminha nas noites de frio.

Agorinha memo. Si vosmecê que memo sabê ni quem vô vota digo e num me contradigo. Voto sem praguejar o roga praga nocê. Voto na minha vaca Braúna. Ela sim. Pra prefeita num vai havê coisa mio. Ela enche o barde e já me deu deis cria. Quero ver ocê encher a prefeitura de coisa mio. Para vereado voto no meu burro branco. Ele pode empaca. Mas quero ver outro candidato puxar carroça como elezinho sabe faze mio.”

Naquele exato momento deixei a urna, pensando não ser funerária, ainda na dúvida ni quem vota. Seria o burro branco do compadre um bom candidato?

Acabei me convencendo nem que sim nem que não. Muito pelo contrário.

Em quem eu voto? Nem as paredes confesso. Sob pena de contravenção.

 

 

 

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