É de amarelar os oio

Setembro chegou. A primavera não está longe de mostrar a cara.

Cadê a chuva? Pergunto-me a cada manhã.

O secume prepondera. Uma poeirinha insossa adentra pelas minhas narinas.

A respiração se mostra ofegante. Fica difícil de respirar.

Nesta manhã, comecinho de setembro, o céu se mostra cinzento. Quem sabe vai chover no decorrer do dia. Ele se mostra taciturno e sombrio. De uma cinzentice que empana a azulice do céu. Se um dia tiver de morrer que não seja num dia como esse. Tomara seja numa madrugada ensolarada. Depois de uma chuvica mansa. Terra molhada fertilizada pelas gotas de chuva que já vem carregada com a medida exata de adubo. Em que se possa ver o céu. Derradeira morada quando tivermos de partir rumo ao infinito.

Exatamente numa manhã como essa meu amigo Tom Zé despertou para mais um dia de trabalho duro.

Chovera a noite passada. Ele nem viu a chuva cair devido ao cansaço em que se encontrava. Dormiu sem saber a hora. Um sono profundo como um abismo onde não se pode ver o fundo.

Tomou uma ducha morna para tentar espantar o sono. Seu corpo doía intensamente. Seus pensamentos avoavam de alto a baixo. Como um urubu aproveitando as correntes de ar.

Seus cães amigos já estavam à espera. Tanto o esnobe Jack, que só comia ração de primeira. Como o fiel Tob, que aceitava qualquer coisa.

Eles corriam atrás de sua moto possante. Alguns quilômetros teriam de ser vencidos para chegar ao trabalho. Ali ficava até antes do almoço. Não levava marmita, pois seu prato de comida já o esperava quase pronto na geladeira. Era só dar uma esquentadinha e levar o garfo à boca faminta.

No trajeto de volta ele ia observando a natureza. Árvores semimortas esperavam impacientes pela chegada da chuva. Há mais de dez meses nada de ver chuva naquelas paragens. O secume dominava o entorno.

Tom Zé era um trabalhador contumaz. Já vivera na cidade grande. Mas não se adaptou. Conforme ele mesmo dizia, com sua voz trovoenta: “oi. Aqui não tem lugar pra mim. Sinto saudades do meu lugar. Aqui não tem mato. Nem carrapato para me coçar. Capivaras não são vistas no asfalto. Nem a minha mula manca. Que saudade dela. Se tem lugar pior é aqui. Tenho dó de mim. Aqui me falta tudo. Só penso em voltar a minha rocinha. Lá sim sou feliz de verdade”.

E num é que ele voltou? De novo no seu palmo de chão. Feliz por descobrir onde a galinha escondeu seu ovo. E a ninhada de pintinhos nascidos amarelinhos. Escondidinhos por baixo de sua mãezinha com medo do gavião.

Naquela manhã bem cedo. Quando recém acordado ia em direção ao trabalho. Montado na sua moto em bom estado. Embora com o pneu meio vazio. Olhando de esgueio o caminho.

Uma vez na estrada poeirenta. Na frente o seu cão Jack corria desembestado. Alguns metros atrás tentava alcançar seus amigos o fiel Tob bufando. Numa curva da estrada viu, com seus olhos vidrados uma cena que o fez parar.

À beira da estrada. Fincada há anos perdidos no esquecimento de quando foi plantada. Um lindo ipê amarelo despejando suas florzinhas lindinhas na poeira da estrada. Uma árvore já centenária que de teimosa se recusava a morrer e virar lenha. Já que alguns lenhadores, de machado em punho, ameaçaram por abaixo a pobrezinha. Que ainda resiste não se sabe até quando. Se Deus quiser por muitos anos ainda.

Tom Zé, naquela tarde quando voltava da minha roça. Me parou por um segundo. E,  boquiaberto, ao ver o ipê florido. Me disse, maravilhado: “sem dúvidas. É de amarelar os oio”.

Não tive como não abrir os meus agradecer a natureza por tamanha beleza. Deveras é de amaciar e amarelar meus oinhos de tanto encantamento. Meu deu vontade de pedir a árvore mãe que me deixasse colar aquelas florzinhas ainda vivinhas no galho de onde saíram. E num é que ela permitiu. As lindas florzinhas amarelinhas me agradeceram. De volta de onde nasceram…

 

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