Não era bem isso que eu desejava

“O passado não é o antecedente do presente. É a sua fonte”.

E crianças bem criadas, nascidas em lares bem estruturados, tendo elas uma educação primorosa, via de quase sempre se enveredam pelo caminho do bem.

Difícil elas mesmas se desviarem de uma trilha pisando chãos seguros. Se bem que podem existir pedras em seus caminhos. No entanto, estas mesmas pedras se tornam obstáculos facilmente transponíveis. Já que elas foram preparadas, tanto em seus lares, como nas escolas, para transporem pedras. Saltar obstáculos. Pular corguinhos. Deixar ribeiros sossegados com seus lambarizinhos saltitantes em suas escapadelas fugindo dos anzóis.

Um dia me perguntaram: “qual a mais vetusta das profissões”?

Antes de responder perguntei aos meus botões. Já eles, em número imensurável, me devolveram a inquisição dizendo assim: “por que você não consulta o Google. Ele sim é o sabichão”.

Em consulta ao dicionário, a seguir à enciclopédia, e passando adiante ao Google, ele é de mais fácil pesquisa, ele sim me respondeu: “a mais vetusta das profissões passa pela prostituição.”

Mas, continuando a indagação, a outra fonte de pesquisa me disse: “engana-se quem respondeu ser a prostituta a mais antiga militante da esquerda. A mais velha das profissões se trata de quem cozinha. O cozinheiro em verdade é a mais antiga das profissões”. Esquerda? Matutei eu.

Ah! Não interessa se for a prostituta ou o chefe de cozinha. Ambas têm seu valor. Nunca me imaginei usando chapéu de chef du cuisine. Ou um avental recobrindo a minha barriguinha pouco estufadinha. E, rodando bolsinha não serei eu. Caso mostrar minhas pernas grossas e musculosas. Ou minha cara de macho falso não irei cobrar pelo programa nenhures centavos ou notas grandonas de alguns reais. Pois quem procura mulheres de vida fácil vai encontrar um homem tentando fazer entender que seja escritor. Apesar dos apesares de que eu seja em verdade médico urologista ainda longe de me aposentar por completo.

“Ah! Não era bem isso que eu desejava”.

“Gostaria de ter ido por outro caminho.”

Foi isso mesmo que meus dois ouvidos escutaram saído da boca abatonzada daquela não mais meninazinha.

Foi numa tarde de um sábado que o calendário engoliu que eu, a cavaleiro na minha caminhonete Orock, saindo da minha roça. Já nas bandas da cidade amiga de nossa amada Lavras, aqui a dez quilômetros pertinho, de nome Ijaci.

Antes de retornar ao meu pouso. Ao meu ninhal.

Pois ainda era cedo. E não me consumia a malvada pressa.

Tive ganas de conhecer o lindo calçadão feito as margens da represa do Funil nas proximidades de um bairro ijaciense de nome Ipiranga.

Tomei rumo de lá e não cá.

Foi de boca em boca, pois não havia placa indicativa de como ali apear. Que de pronto cheguei ao tal calçadão (ele não era de propriedade de um tal Adão).

Passei pelo apetitoso restaurante da simpática Meirinha. Antes passei pelo restaurante do já falecido Ofenil entregue as boas mãos de seu filhotão Gabriel.

Já quase meio do dia, rodando vagarosamente pela orla da praia de água doce da bela Ijaci. Experimentando um calorão símile ao do inferno.

Já pedindo água não no carburador da minha Orock e sim minha boca pedia cerveja bem suada.

Lá ao longe vi, com meus dois olhos do andar de cima, uma mulher, bem travestida. Andando meio cambota pela orla da praia ijaciense.

No alto o sol brilhava em sua intensidade máxima. As águas límpidas do lago ofuscavam-me a menina dos meus olhos.

E, naquela hora não tanto tardia, ao ver a moça tentando se equilibrar em seu salto alto. A mim me pareceu a princípio do precipício uma miragem ou ilusão de olhos.

E ela vinha trôpega cambaleante. Tropeçando nas pedras que se interpunham em seu caminho.

A sua profissão era das mais antigas que me passaram pelos ensinamentos do meu amigo professor Google. Qual seria ela? Já me perguntaram dantes e o tal consultante me respondeu deseducadamente ser a prostituição. Já eu penso ser o cozinheiro. E o que acham vocês?

Mal contendo a minha curiosidade curiosa de um curió que um dia ouvi cantar e me encantei com seu canto. Acabei por dar carona aquela não mais menina moça. Remoçada a poder de talhos de bisturi.  E de uma coisa chamada Botox que injetaram na sua face sulcada pelos anos.

Deixei a janela do carona aberta não apenas para entrar vento como também deixar sair o forte hálito etílico que daquela boca abatonzada exalava um odor insalubre com cheiro de pinga ruim.

Elazinha deu seu nome como Jasmim. Não sei se falso ou de verdade.

Pois que me lembre não pedi a ela sua carteira de identidade. Ou seu passaporte que por certo ela não possuía. Pois, segundo ela mesma me disse o mais longe que ela havia ido era em Aparecida do Norte mesmo assim em romaria.

Ofereci-lhe água da mina. E ela me agradeceu dizendo preferir canjibrina (uma cachaça das piores que já provei e não repeti o repeteco).

Acabamos parando na intenção de esticar as pernas. As minhas e as delas duas.

E foi daquela mesma boca já sem batom que escutei a sua triste história de vida pregressa até a presente data.

Jasmim começou assim.

“Sou nascida sem ter conhecido meu pai. Não tenho sobre. Minha mãe tinha a mesma profissão que a minha. O senhor sabe qual é. Ela se deitava com fulanos, beltranos e cicranos. Um dia apareceu um belo cigano em nosso barraco. De olhos verdes mata e corpo mais parecido a uma estátua grega dotada de um pênis maior que meus olhos já viram. Ele me seduziu quando eu contava com dez anos incompletos. E como doeu a penetração. Aquele ato consentido e não forçado rendeu manchas de sangue no meu lençol já manchado de sêmem pois minha mãe se deitava com gatos e sapatos velhos. E foi numa dessas deitadas várias que eu nasci. E confesso que não pedi pra nascer. Minha mãe me vomitou na cama de nosso barraco numa noite chuvosa. E não me lembro se chorei ou se ri. Aos treze anos metamorfoseei-me em menina de programa. Ainda menor. Pagavam-me por uma deitada, ou em pé, a quantia miserenta de cinco reais. Ainda sentia prazer nas relações sexuais. Gemia alto quando gozava. Mas o que mais gostava era dos gritos e das palmadas que levava na minha bunda gorda. E quando meu parceiro me penetrou pela vez primeira como ardeu lá bem no fundo do meu ânus. Mas foi gostoso sim. Não vou dizer que não. Aos vinte pensei em mudar de vida. Se é que ser prostituta ou mulher de vida fácil pode ser chamado de vida. A vida nossa não é flor que exale um cheiro bom. Imagine se deitar com um pedreiro, um trabalhador braçal, ou que seja um jogador de futebol bem suado, ao final do expediente, sentir aquele odor fétido de carniça renegada por urubus. Isso só quem sabe pode explicar”.

Meu relógio já me convocava a voltar a Lavras. As horas já me diziam “vai embora”!

Deixei a trôpega titubeante Jasmim no centro de sua amada Ijaci.

Ao nos despedimos ela ainda me disse. Depois de um muito obrigado.

“Não era bem isso que eu desejava pra mim”.

Muito menos eu…

 

 

 

 

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