Perdi a noção

Hoje, mais cedo do que o costumeiro, ao ligar meu computador, ele, cansado por ter passado a noite em claro, embora a minha sala seja escura durante a noite, ao tentar abrir a pasta do Word, ele não abriu, como o sol agora ameaça abrir depois de uma noite às turras com a lua cheia ou minguante, que seja.

Como sempre, desde que comecei a deitar nas teclas negras dos meus sofridos e mourejadores computadores toda a minha inspiração que transpira do meu cérebro irrequieto. A primeira crônica escrita foi na noite em que meu pai fechou os olhos definitivamente. Não sei se ele fica de olhos abertos no outro lado da vida a me ditar tantos textos. Desde que comecei a escrever passei a crer em psicografia. Não sei se vocês creem.

A arte da escrita em mim não tem parança. Escrevo e retrato o cotidiano a cada dia e principalmente nas madrugas. Nas horas tempranas a inspiração nasce tal e qual a nascente de um grande rio desponta timidazinha antes de se tornar um grande fluxo de águas a banhar terras longínquas ou mais próximas.

Voltando ao começo desse texto de agora cedo- onze de abril, cujo título é perdi a noção.

Naquele átimo de segundos, assim que o Word travou, perdi a noção da compostura e quase atirei meu envelhecido computador pela janela, por sorte fechada, do meu sétimo andar.

Só não o fiz por causa de, naquele instante de sandice, ao olhar para a direita, onde fica meu lindo aquário, um dos peixinhos me olhou com suas guelras abertas e me disse entre borbulhas de riso: “meu chefe. Não faça isso. Sei dos seus repentes de insanidade. Bem sei que o senhor pensa ser genial, mas não é. Gênio sou eu. Que sei nadar muito melhor que você. Respiro debaixo d’água e não como tanto como o senhor. A mim me basta, e me dou por satisfeito, assim como meus amiguinhos aquarianos. Embora alguns sejam de signo de sagitário como o senhor, alguns pitacos de ração que me é dada logo quando amanhece. E, se por acaso de um descaso, vosmecê jogar o seu computador pela janela, e ele atingir a cabeça mais pensante de um passante, quem vai pagar a conta do hospital? Por isso não perca a noção do ridículo e fique calminho. Sossega o facho. Durma mais um cadinho. Pra que acordar tão cedo. Faça companhia a linda mulher que ainda dorme ao seu lado. Não perca a noção do tempo. Ele passa e acaba ultrapassando a sua ideia de ser imortal. A finitude da vida é um fato inconteste. E olha! Quando você morrer desejo sair desse aquário velhusco e segurar a alça direita do seu caixão preto da cor de urubu plainado alto nas alturas”.

Depois daquela descompostura passada a mim pelo inteligente peixinho do meu aquário recuperei a noção de tempo. Que havia perdido e ainda não encontrado até dantes da lição de bom senso.

Simplesmente reiniciei minha CPU e o Word reabriu sorridente. E me permitiu voltar a escrever.

Não perca jamais a compostura. As galinhas na quaresma não botam. Elas interrompem sua postura por motivos pra mim ignorados. Quando me indagam os por que de tantos porqueres quando não sei pergunto ao sabichão do Google. E sabe todas respostas. Quem o conhece bem referenda o meu dizer.

Já perdi a noção do equilíbrio e quase tombei sobre mim mesmo. Já me enveredei por caminhos incertos e acabei estropiando meu cérebro pensante.

Uma vez perdi a noção daquilo que fosse certo ou errado. Foram meus pais que ensinaram por onde ir e não cair de novo.

Já me desviei da noção do que fosse direito ou não. Foram os anos e a experiência acumulada neles todos que me ditaram. Na lousa negra do quadro da sala de aula. Que os numerais são essenciais assim como as letras e as palavras soam como música aos meus ouvidos não moucos.

Uma vez apenas tive pena das penas perdidas por uma pombinha em sua muda de penas. Mas, logo soube que as mudanças são essenciais. E que a vida seria insuportável não fossem elas.

Quantas e tantas vezes perdi a noção do que fosse certo ou não. Foram graças aos anos vividos que aprendi, com os senões, a não cometê-los tanto.

Perder a noção acaba nos ensinando a não perder tanto. Bem como não cometer tantos senões.

Se já perdi várias vezes a noção. Que tal encontrá-la numa curva da encruzilhada ou mais adiante onde se bifurca a estrada?

Pra que tantos jogos de palavras se somente umazinha basta?

Reflita melhor sobre a sua conduta. Não perca a noção. Pode até perder a loção de barbear.

E eu me pergunto a mim mesmo: qual a solução para a dissolução? Não seria um simplório soluço? Soluce sempre. Suspire profundamente absorvendo a brisa fresca de uma manhã outonal.

Hoje, bem cedo, perdi a noção da tranquilidade quando minha CPU fez travar o Word.

Graças ao simpático do abelhudo peixinho do meu aquário acabei por recompor a minha fleugma. E não perdi a noção do que fosse certo- atirar meu computador da janela de minha linda sala. Ou simplesmente reiniciar meu computador e dar tempo ao tempo para que a melhor solução viesse à baila.

Foi o que aconteceu. Tudo voltou melhor que dantes no quartel de um tal de Abrantes que não sei quem é.

 

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