Nunca sofri tanto como naquele dia que os perdi

Lágrimas desceram-me pela face no dia em que perdi meus pais.

Um choro convulsivo dentro de mim se formou.

Um apertume por dentro fez-me sentir que o mundo havia terminado.

De repente a luz se fez. O sol fez com que meu coraçãozinho enlutado sorrisse novamente. E a felicidade retornou ao ver nascer meus netos. Já que meus filhos foram eles quem me deram esse renovado prazer de reviver lembranças.

A vida é um eterno recomeço. A gente ressurge das cinzas como a ave de nome Fênix.

A águia envelhecida, para se manter ativa e predadora, bate com seu bico quase em escombros na pedra dura da montanha para daí renascer um novo bico mais forte e poderoso.

E assim somos nós. Quando pensamos estar no final de nossa existência nascem outros descendentes. Como os meninos irrequietos sorridentes ou chorões. Que acabam com as noites de bons sonos de seus pais. Se precisarem do ombro ainda forte do seu avô contem com os meus. Estarei sempre disposto a inserir em suas boquinhas que ainda mamam as chupetas com as quais se acostumaram. Como eu nunca me acostumarei com a ausência de meus pais.

Tenho um amigo velho. Não tão velho como ele é meu amigo. Pois o conheço desde priscas eras. Quando Tarzan de tanga pulava de galho em galho pelas árvores da floresta. E a macaca Chita, sua velha companheira. Alguém dizia que ela era sua irmã de leite. Pois ambos sugavam das mesmas tetas da vetusta gorila hoje morta por uma seta envenenada lançada por algum desafeto pigmeu.

Seu nome era Chico Não Sei das Quantas. Mais fácil chama-lo Chico. Ou Velho Chico. Não irei dizer Chico Rodarte meu querido tio já levado aos céus para discursar em juris injuriando os acusadores. Ou na defesa de seus clientes. A maioria deles não pagantes. E como ele ainda é querido por todos que tiveram o prazer de apertar-lhe as mãos.

E este outro Chico. Meu vizinho de cerca na minha roça. Com quem passava horas baldias a contar causos a maior parte deles meras invencionices dele ou de minha autoria.

E o velho Chico, ainda vivo e pronto ao que der e vier. Aos seus mais de oitenta muitos a ele atribuem apenas a metade. Exagero meu. Melhor dizer mais de sessenta. Embora as suas rugas ainda mal se deixam ver. Suas cãs ainda passarinham-lhe pelas têmporas. Suas pernas ainda robustas para montar a cavalo a pelo. E mesmo que a montaria empine ele ainda se mantém no lombo.

E como meu amigo Chico apreciava um bom prato. Não da marca Colorex como um dia afirmou uma miss ao ser perguntada qual era o prato de sua predileção. E ela ainda foi vencedora no concurso muito concorrido. Era apenas ela e menos duas.

Naquele malfadado dia. Era uma sexta feira treze do mês de agosto. Dizem as línguas de trapo que agosto é o mês do desgosto. Não acho tanto assim. Pois no dia primeiro meu saudoso pai aniversaria. Minha mãe ficaria mais idosa no dia sete de junho.

Quando dei com o velho Chico de cócoras. Mascando um paiero apagado. O tal pito nunca foi do seu aprecio. Ele nunca fumou de verdade.

E dei de prosa com ele. Por senti-lo meio amuado.

E ele me pôs a par do sucedido.

Acontece, por uma desgraça que por vezes acontece, a cada um de nós isso passa.

Quando ele ia chupar cana e assobiar ao mesmo tempo.

E deu uma dentada num chumaço de cana dura. A maior parte de seus dentes ainda em perfeito caíram pra fora de sua boca escancarada. E ele ficou numa banguelice de dar dó.

Sem poder chupar cana ou morder um lindo torresmo duro como a minha panturrilha que mais parece uma barra de ferro.

Foi isso que o velho Chico me disse, num choro só: “nunca sofri tanto como naquele dia que os perdi”.

Foi aí que pensei cá comigo: “ainda bem que ainda tenho os meus. Hoje mesmo vou procurar meu dentista. Tomara que ele me atenda inda agora pela manhã”.

 

 

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