Entre a cruz e a cruz credo

Quantas e incontáveis vezes a gente se vê numa encruzilhada. Nesta nossa vida tão atribulada que nos faz tomar decisões a maior parte das vezes equivocada ou acertada.

Acertar sempre é como jogar na sena da virada. Escolher aleatoriamente números de nossa predileção. E, depois de comprovar os que são listados como vencedores a seguir, ou a gente professa a nossa satisfação, ou joga de novo para mais uma vez tentar a sorte.

Dizem que a sorte não bate duas vezes a mesma porta. Não importa. O que conta é a conta que nós não devemos fazer daquela mocinha casadoira. Que quando jovenzinha. De pernocas grossas desprovidas de varizes ou celulites. Ao vê-la toda formosa no rela do jardim a ela endereçamos uma cartinha de amor. Naquele caderninho pautado. Com as nossas letrinhas cuidadosamente grafadas em ordem pelas linhas tortas de nossas mãos. E, antes da resposta ansiosamente esperada roíamos as unhas até o sabugo. Na expectativa de um aceite dela a ser a nossa primeira namoradinha. Desde que antes fossemos apresentados a sua familia. Pois nos diziam que ela tinha um pai que era uma fera. Mas em pouco temos acabamos por cairmos no seu agrado. Pois éramos considerados um bom partido por um único e singelo motivo: éramos estudante de medicina numa boa escola na capital de nosso estado. Nomeado de Minas Gerais.

E, com o tempo manquitolando lento como uma tartaruga obesa e desapressada. Depois de nossa sábia indecisão impensada sobre quem iriamos contrair núpcias.

Depois de voltarmos do estrangeiro com o pensamento repleto de sonhos muitos não concretizados. Outros projetos tolos jogados no olvido do esquecimento.

Já que tínhamos duas garotas a espera de um bom marido. Uma na capital e a outra cá mesmo em nossa cidade. Já que a de lá já estava de compromisso marcado e inadiável com um rapaz que trazia na bagagem um bom currículo vitae. Acabamos por optar pela daqui da cidade mesmo. Pois era mais fácil encontrá-la às claras na passarela do mesmo jardim. E assentávamos no mesmo banco da mesma pracinha. Nas proximidades de uma fonte iluminada que só jorrava água na estação chuvosa. E na seca ficava num secume de dar pena nas penas peladas de um pato que de vez em quando passava por ali.

E foi esta a minha estória. Ou seria história? Já que não sei bem quando começa uma e a outra termina.

Mas o causo que gostaria de contar. Nesta crônica de hoje bem cedo. Ao acordar depois de uma noite bem chuviscosa. Agora parou de chover.

Versa sobre a vida de um tal Tião Madrugão. Meu vizinho de pasto. Que mora pertinho da casinha tinta de amarelazul do meu amigo Betão. O amigo de verdade que teve a ousadia e a coragem de arrendar meu pedaço de chão. Antes mais parecido a um sarandi mais sujo que a cloaca da galinha que não tinha o bom costume de manter limpo o fiofó depois de botar dois ovos imensos. Que mais se pareciam aos de gansos ou avestruzes.

E este mesmo Tião Madrugão. Solteiro convicto e convertido até os cinquentanos.

Aos inexatos cinquenta e uns enrabichou-se por uma mocinha de tetas mais grandes que as da vaca preta. Que produzia vinte litros de leite em cada mojo. Isso parida de pouco.  Quando em vias de secar e parir de novo a produção ia ao fundo do poço. E o leite para render carecia ser acrescido de água da mina. O qual de vez em sempre um lambarizinho de rabo vermelho era descoberto no latão de leite prestes a ser levado pelo caminhão leiteiro ao lacticínio mais distante que da terra a lua nova. Isso quando não azedava e se transformava em coalhada azeda.

Diz a minha estória que o velho Tião, cansado de ver a sua prenda negar fogo a hora do vamos ver. E virava pro lado direito da cama alegando dor de cabeça ou enjoo mais falso que nota de dois mil réis. E ele tesudo que sempre foi acabava deixando o pinto que ainda piava amolecer.

Num dia claro. De céu azul como os olhos da linda panela velha que um dia conheceu numa night. E, depois de pagar meia dúzia de cervejas geladíssimas a sua nova conquista. E de passar meia noite com ela num matel perto de sua casinha humilde.

E se acasalaram tantas vezes que acabou perdendo conta.

Tião Madrugão, desiludido com a sua outra mulher. Que só reclamava a não mais dava pé.

Teve uma ideia de jerico. Acabou por catirá-la, na orelha, pela outra de menos  idade e mais formosura.

E acabou indenizando a outra com cem balaios de milho e duas dúzias de ovos caipiras.

Até hoje não sei se foi uma paga justa ou injusta. Só o futuro vai dizer.

Mais uma vez o tempo assoviou como o vento assovia numa tarde sem chuva.

E a outra, a tal balzaquiana encontrada num baile de idosos, foi despencando as pelancas.

Aquelas lindas ancas foram perdendo a angulação. O bafo cheirava a mofo. E as pernas não se abriam mais por causa da artrite de quadril que a pobre foi acometida.

Naquela noite de mês de fevereiro, ainda no começo, o velho Tião ainda se lembrava da outra que era pura reclamação: “Tião! Hoje não estou indisposta. Doí-me desde a cabeça a ponta do dedão do pé. Me deixe dormir mais um cadinho. Dormi muito mal na noite passada.”

Foi aí, nesta noite indormida. Que tomou de assalto ao velho Tião Madrugão.

“Entre a cruz e a cruz credo fico com a minha cruz.”

Só agora concluí que o velho Tião estava coberto de razão…

 

 

 

 

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