“Voltar às aulas? Queremos não!”

Desde quando aquela velha escolinha, onde tanta gente ainda jovem aprendeu as primeiras letras, foi o babá que a fessora ensinou, se bandeou pros lados da cidade, aquela turminha de alunos. Todos eles moradores dos arrabaldes. Torciam o nariz arrebitado como um arrebite faz para prender algo que precisa. E faziam cara dura para não deixar a velha escolinha se transformar em ruinas dos seus escombros.

E ali hoje, ao revés de duas ou três salas de aula. Uma sala ancha onde era servido a merenda. E que gostosura eram os quitudes que a velha professora trazia na sua bolsa de couro de coruja. Além da hora do almoço onde a bóia era servida em tigelas de lata tinta em branco, que de vez em sempre desbotavam. Mas era em verdade delicioso o tal franguinho caipira com quiabos graúdos que se desmanchavam na menor fervura. Além dos tomates vermelhinhos sem agrotóxicos. Colhidos na horta dos fundos. E uma couve chamada de manteiga derretida. Nomezinho este herdado em honra e glória de uma meninazinha sempre encabulada que chorava sempre que um coleguinha a ela lançava olhares maliciosos.

E a pequena escolinha rural acabou ficando apenas entregue as boas recordações de quando ali estou o Zequinha da Dona Lalia. Uma senhora meio vesga. Que fazia broa de milho misturada ao queijo fresquinho feito de pura gordura do leite gordo que a vaca Mimosa deixava a encher dois baldes pelas bocas. Já que o resto que caía no chão da sala de ordenha era lambido pelos gatos manhosos. Que viviam entrelaçados as pernas dos donos.

No dia em que a velha escolinha ficou vazia os morcegos frutíferos fizeram dela seu pouso.

E era comum vê-los dependurados pelas cabeças às traves quase rotas do telhado. Que em pouco tempo terminou por ruir e cair ao chão.

E o destino ingrato da velha escola não foi outro senão o abandono. E gerações em gerações ali aprenderam quase tudo que sabiam. Inclusive a respeitarem os de mais idade e a trabalhar cedo como seus amados pais.

Zequinha da dona Lalia, na véspera da mudança de onde iria estudar. Já que a velha escolinha iria ficar na saudade saudosa.

Uniu-se aos seus coleguinhas que usavam o mesmo uniforme de cores cinza e branca. E, em conjunto, como um batalhão de soldados no desfile de sete de setembro, armaram um fuzuê enorme.

Soltaram as vacas do curral. Assustaram a galinhada todinha. E não convocaram o galo garnisé para a manifestação contrária à mudança do lugar de estudos. Já que um ônibus mais velho que o vetusto Matusalém iria ser, a partir da próxima segunda feira, o seu modo de transporte até a cidade mais próxima. Que tem o nome de Ijaci.

E todos os moleques peraltas protestaram juntos. Muitos deles levando latões de leite a ser derramado na estrada. E galinhas depenadas, e umas garrafas de cachaça e charutos não cubanos a serem cúmplices de despachos na velha encruzilhada. Perto da porteira gasta que dividia as terras com o cumpadre Seu Mané Truvuada.

De nada adiantou o movimento grevista. A secretária de educação da cidade de Ijaci fez cara dura e não voltou atrás. Com uma das mãos na frente e a outra do lado.

Mas, no dia seguinte repetiu-se o ato.

Todos os alunos teimaram e não voltaram atrás nas suas decisões de não se mudar pra escola da cidade.

E a greve por continuar na velha escolinha não retrocedeu. Ao revés. Teve a adesão dos patos e dos marrecos inclusive das maritacas. Até mesmo as jabuticabeiras prometeram não dar frutas ao final do ano. Desde que os marimbondos concordassem. E as abelhas abelhudas fizessem greve de nunca mais produzir mel.

E uma semana inteira o calendário despetalou como uma rosa que teimava em persistir botão.

Foi quando fui ter à minha rocinha prejuizenta.

Era uma segunda feira começo de fevereiro. Tempo certo de volta às aulas.

Assim que apeei na porteira quase caída ao chão. Assisti a uma cena insólita.

Dezenas de meninos e meninazinhas empunhavam bandeirinhas com a seguinte inscrição: “se quiserem que a gente volte a estudar que seja na velha escolinha onde nossos pais e avós aprenderam as primeiras letras. Se não voltaremos não.”

 

 

 

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