Abra as janelas

Olhos são duas janelas abertas para a vida.

E quem é desprovido de visão felizmente outros sentidos assumem a falta de ver ou enxergar.

Tenho pelos meus dois olhos em alto conceito. Vejo com eles entre as entrelinhas.

Percebo, digo nas minhas andanças andarilhas, a amigos ou passantes, que consigo enxergar, nesta ou naqueloutra mulher, de que cor é a sua calcinha. Ou se ela, despudorada, desveste-se da sua. E ao mesmo tempo digo que consigo ver, pela janela dos meus olhos, se por acaso de um descaso aquele passante tem a alma pura como as criancinhas. Ou se ele tem a sualma encardida como a roupa antes branca de um brancume imaculado. E, por um desleixo de sua lavadeira a roupa passou de branca transparentes a cinzenta cor de nuvens por onde deve cair chuva na tarde que se sucede a esta manhã de céu azul e sol a brilhar. Neste domingo vinte e dois de janeiro.

A gente costuma dormir de janelas cerradas. Talvez para escurecer ainda mais a negritude da noite. Como escrevi dantes não tenho pelas noites em alta estima. Ao revés.

Se pudesse, e meu desejo prevalecesse, trocaria as noites pela luz dos dias. A gente nem precisaria dormir. Muito embora digam que oito horas de sono profundo fazem bem à saúde.

Se assim fosse o que seria dos guardas noturnos? E daqueles trabalhadores que trabalham no turno das noites. Seriam eles capazes de compensar as noites em claro por um cochilo a luz dos dias? A eles devem endereçar a questão. Não a mim que sou um madrugão contumaz.

Hoje, por volta da volta das cinco da manhã. Já acordado desde muito antes. Para não incomodar minha Rosa. Que dormia e ressonava profundamente ao meu lado. Evitei abrir a janela do nosso quarto. Fui, pé ante pé, a sala de visitas. E abri a janela da frente desta sala ancha. E entrou-me alma adentro uma luminosidade feérica que quase me cegou.

Pela janela aberta percebi que chovera durante a noite. A minha Orock branca se mostrava, lá embaixo, coberta de pingos d’água. E, como a lavara na tarde de ontem ela brilhava de tão limpinha.

Sempre abro a janela para ver o que se passa no entorno. Abro-a de coração aberto. E mantenho-a aberta para que minhalma não se concretize como concreto que recém foi molhado.

Abro não somente as janelas do meu quarto como as da sala de visita. E abro também meu coração para que alguém, que por acaso me venha visitar, volte sempre e encontre não só a porta de minha casa como meu abraço e nele encastelar.

Abro minhas janelas todas de minha casa. Abrindo-as abro também o meu abraço para bem receber quem me venha abraçar.

Fecho meu corpo na intenção de que as enfermidades não consigam em minhalma encastelar.

No entanto abro as janelas dos meus olhos para que ambos eles dois se mantenham enxergadores aos quais não percam nenhum detalhe mínimo que seja do que acontece ao derredor de mim.

Abro todas as minhas janelas. E, se por acaso alguém chegar. Sem avisar. Esta pessoa será sempre bem vinda caso venha desarmada. Propensa a encontrar as minhas janelas de bandeiras desfraldadas. As duas bandas. Não as bandas nas quais usava tocar flautinha doce na fanfarra do velho Gammon. Colégio que diz que a gente dele sai. Mas ele nunca vai sair da gente. Pois lá continuam a estudar nossos netos e quem sabe bis.

Durmo de janelas fechadas. Se por acaso as noites fossem substituídas pelo clarume dos dias por certo eu iria dormir de janelas abertas. Mesmo que a luz do sol incendiasse minhas retinas. Mesmo assim. Como dito e escrito dantes. Tenho temor das noites. Não aquelas enluaradas e cheias de pirilampos piscantes. Noites passadas na roça são muito mais bonitas e recheadas de sonhos coloridos.

Se quiserem um conselho meu aceitem-no de bom agrado.

Abram todas as suas janelas. As janelas de sualmas e as outras feitas de madeira ou de qualquer material.  E descubram como é bom. E abram também seus olhos. Para perceberem toda a magnitude de uma metamorfose de crisálida em borboleta azul. Toda a maravilha de um filho recém nato sugar as tetas de sua mãe na primeira mamada.

 

 

 

 

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