“Pai! Livros avoam”?

Hoje, neste primeiro de julho, senti-me como um pássaro em pleno voo.

Subindo às alturas. Pairando rumo a um céu de brigadeiro como acontece nesta linda manhã.

Ontem de noite não abri meus whatsApps. Estava sonolento. A partir do começo da novela das oito, que nunca começa antes das nove, fechava meus olhos de sono.

Apenas e tão somente no dia de hoje, bem cedo, uma temperatura agradável beliscava meus sentimentos, foi que me dei conta de mensagens escritas na noite de ontem.

Uma delas dizia: “Boa noite Paulinho. Você já é um escritor famoso. E ainda não se deu conta ainda. Escrever te faz conectar com seus leitores de um jeito que viajamos em suas narrações de tão bem escritas e contando detalhes minuciosos de tudo que você viveu e vive! Você é um best seller e não atinou ainda.” Ao lado desta linda missiva ainda foram postados coraçõezinhos entrelaçados. Com a seguinte inscrição: chuvas de carinho.

Não vou declinar o nome desta linda missivista. A ela o dobro do seu carinho. Tenha certeza, amiga de tempos idos. A você, além do meu abraço. Que este simples gesto dê conta de dizer o quando a aprecio.

Quanto a ser um best seller, neste país dos iletrados, onde uma garrafa de cerveja, junto a uns tira-gostos de gosto duvidoso, ingeridos numa mesa de bar, muitas vezes poluído, a exemplo da linda baía da Guanabara, onde o lixo se amontoa, matando peixes, dizimando algas, esta mesma cerveja, degustada meio quente, entremeada da ingestão de nacos de mandioquinha frita em óleo vencido, com cheiro de sovaco apodrecido, custam mais caros que um bom livro.

Tento vender os exemplares que ainda restam na minha estante do consultório por uma módica quantia de cinquenta irreais reais. E muita gente dá desculpa. Dizendo ter esquecido a carteira nalgum lugar. Esquecido? No entanto ela não se esqueceu de pagar a conta duas vezes maiores que o custo do meu livro, naquele botequim infecto onde baratas e percevejos se alimentam junto ao visitante. No mesmo copo ou prato que não viram água nem quando chovia lá fora.

Hoje, ao aqui chegar, era hora cedo, mais quente a temperatura, ao olhar em direção ao meu aquário, onde hoje reside apenas um peixinho, entendi que ele gostaria de ler um dos meus livros. Pena que livro molha. Foi esta a desculpa que a ele dei. Pois tenho um ciúme danado de cada um dos meus filhos. Pois tenho o costume de chamar livros de minha autoria de filhos queridos.

Conheço uma estória, não sei onde ela mora, o fato é que: numa pequena casinha, de uma rocinha encantada, vivia uma linda família. Pai, um filho menor de idade, uma mãe que se gabava das qualidades do rebento, pois ele gostava de ler. Lia, meu querido personagem desse causo, não sei de onde nasceu meu invento, até nas entrelinhas miudinhas das linhas lia e relia, o menininho de nome Zezinho, até bulas de remédio. Não que sua intenção fosse ser médico. Escritor lhe era o sonho desde quando no achego do útero de sua mãe.

E elezinho aprendeu a ler desde quando a idade novinha às suas costas caminhavam. Aos cinco anos já lia Camões. E ele não parou por aí. Aos menos de sete era versado em Proust. Não desdenhava das escritas de Machado. Só entendeu que mulheres boas não são machados. E sim bons achados. Por Plinio Salgado entendia que aquele escritor carecia de uma pitadinha de sal grosso. Amava Rubem Alves. Aquele notável escritor, que, por acaso, nasceu na mesma cidade que nem eu. Boa Esperança nos deu a esperança de um dia vivermos e convivermos num mundo melhor. Pena que isso ainda não aconteceu.

Zezinho, ajudando os pais nos serviços pesados daquela rocinha, onde canarinhos da terra ciscavam o esterco do curral, à cata de minhoquinhas molecas, onde maritacas grasnavam frenéticas a chegada das jabuticabas maduras, onde o jacu piava, onde bezerrinhos famintos berravam de saudade das mães vacas, não se separava dos seus livros.

Não tinha livros em casa. Lançava mão deles na biblioteca de uma escolinha simplesinha. Que, num dia infeliz, se mudou pra cidade.

Zezinho continuava, dia após manhãs, a ler tudo que lhe passava defronte aos olhinhos inquiridores. E, quando nas vizinhanças de se tornar maior de idade um fato esdrúxulo aconteceu.

Quando se dirigia à cidade, na intenção de continuar os estudos, a profissão de escritor não era reconhecida, aqui então, nem se comenta, aquele agraciado com o título honorifico de ter ganhado o prêmio Jabuti, não sei por honra e glória de qual mentor, José, não mais chamado no diminutivo, viu um urubu voar.

Em seu bico preto, com aquelas asas pretas, e lindo é o voo do urubu, título de um livro meu, carregava uma penca de livros. Não sei quem eram os autores. Decerto escritores desconhecidos, como eu.

Acontece que, uma lufada de ar, naquele exato momento, fez desprender do bico do urubu todos aqueles livros vieram ao chão.

Foi uma grande decepção ao não mais menino que antes era Zezinho. Agora se fez José.

Ao chegar à casa, em prantos, pois era um jovem dotado de imensa sensibilidade, assim falou ao pai: “pai. livros avoam”?

Não sei o que aquele pai respondeu. Eu, dotado da mesma sensibilidade maldita, quantas vezes a amaldiçoei, teria dito: “não se avexe, filho meu. Os livros que já editei não avoaram ainda. Estão aqui mesmo. À espera, de que um dia alguém os leve ao céu”.

 

 

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