Choro por ti Argentina

Já faz tempo que a bela Argentina, que com a gente acarinha, mais ao sul, passa por uma crise sem precedentes. Entra governo, despede-se outro, e o vizinho do sul não consegue se livrar da urucubaca política e econômica que o arrasta para um abismo de uma profundidade abissal. A pandemia pegou o país, tido como a Europa do hemisfério sul, com uma dívida impagável. Os preços subindo sem controle e a pobreza enchendo as calçadas de pedintes. A inflação que ali galopa chegou a 6,27 % em março. O maior em duas décadas. O empobrecimento ali é evidente. E os protestos enchem as ruas de descontentes.

Maradona, Pelé, são alvos de discussões acaloradas entre portenhos e brasileiros. Quem foi o maior ídolo do futebol? Na minha modesta opinião minha preferência recai sobre outro ídolo das raquetes. Federer está na iminência de se aposentar. Creio que esta efeméride vai se dar na Basileia. Onde ele nasceu. Deu as suas primeiras raquetas. Aprendeu a se expressar em sete idiomas. Pena, que tudo que é bom tem o seu final.

Voltando à Argentina, país notabilizado pelo tango, pela parrilha a qual experimentei quando de uma visita pelas bandas dos pampas argentinos, nunca degustei carnes de tanta qualidade. O churrasco, regado a uma cuia de chimarrão, e um bom vinho, feito ali mesmo, a preços mais que convidativos, uma passagem por La boca, La bombonera. Um estádio que se tornou um verdadeiro alçapão para os times brasileiros. Caminhar pela praça central, olhar o velho pirulito, obelisco onde acontecem a maior parte das manifestações, nos dá vontade de para ali retornar.

A diferença maior que se estabelece entre nossos países, pra mim diz respeito à cultura e finesse daquele povo, ao mesmo tempo hospitaleiro, mas que, quando contrariado não se comporta como cordeirinhos mansos. Eles reivindicam seus direitos. Protestam sem temor. Têm o saudável hábito da leitura. Tanto é que Jorge Luís Borges, prêmio Nobel de literatura, ali floresceu para o mundo.

Em contraste trágico com os brasileiros, que não temos o costume de ler. Salvo irrisórias exceções, nossos patrícios usam livros como enfeites de mesa. Quando não os jogam nos lixões.

Não restam dúvidas que ambos, Brasil e Argentina, passam por perrengues dir-se-ia de difícil solução.

A crise, tanto por aqui, quanto por ali, mostra os dentes banguelas em cada esquina. A mendicância é evidente pelas ruas. Desempregados vasculham sacos de lixo a cata de latinhas de alumínio. Pais de familia sofrem por não poderem dar de comer à prole. A saúde por aqui manquitola. Por lá não é diferente.

Marmitas, quentinhas, são distribuídas a quem tem fome. Os preços, em alta abusiva, estão pela estratosfera. Em contrapartida aos baixos salários. Estáticos como mulas atadas a um poste. A espera do seu dono.

No dia de ontem, de volta da academia, tive o prazer de me entrecruzar com um casal, os quais sempre tenho visto fazendo malabares perto de um semáforo, aqui pertinho de onde escrevo, a espera de alguns trocados ofertados pelos motoristas. Penso ter visto quase nenhures a depositar alguma moeda, ou até mesmo uma notinha mixuruca, naquelas palmas das mãos espalmadas.

Quando por aquela dupla passei, nas vizinhanças daquela pracinha onde comecei a namorar, e o namoro rendeu em casamento, fiz questão de puxar prosa.

Não sabendo que eram argentinos, só depois descobri, pelo sotaque pampino, que aquele simpático casal, com os quais fiz uma selfie, eram oriundos daquele país onde se dança o tango, onde Carlos Gardel viveu, embora não tenha sido nascido por lá, e sim em Toulouse, França, vindo a falecer a 24 de junho de 1935, em Medelín, Colômbia.

Com meu sotaque mais bravo, pois passei um ano inteiro na bela Espanha, eles dois logo identificam meu portunhol como sendo aprendido nas terras das touradas de Madri.

Entabulamos uma prosa rápida. Perguntei, à mocinha, linda como um corvo moreno, o que a trazia ao nosso endividado Brasil.

Ela mo disse, sem pestanejar, que não estudou. E que amava o nosso Brasil, com a mesma intensidade que idolatrava Gardel.

E que tinha, como profissão, fazer malabares em sua pátria amada. O rapaz, o qual  não sei a ligação que unia os dois, permaneceu sorridente, sem expressar a razão pela qual por aqui andava.

Só sei que pouco sei.

Que tanto a Argentina, bem como o Brasil, encontram-se num mar revolto. São naus à deriva. Ambos derivados de uma crise fecunda. À espera de encontrar um porto seguro.

Choro, oro, tanto por ti, Argentina, quanto pelo meu país. Onde canta o sabiá. E as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como em nenhum lugar…

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