O que nos espera de hoje em diante?

A gente envelhece e não pensa no passar dos anos.

Hoje já não temos mais vinte anos. O ontem se foi. O amanhã chega com a voracidade do vento que um dia assoprou nossa mocidade pra longe.

Não deixo de ter saudades de outrora. Bons tempos.

Principalmente quando éramos crianças, e esperávamos ansiosamente os presentes deixados debaixo daquela árvore de Natal. Já sabíamos, pelo menos fazíamos de conta que o Papai Noel existia. Que o trenó puxado por renas vinha de um país gelado. E o Bom Velhinho entrava pela chaminé, apesar de ser um tanto obeso.

Dentro das minhas conjecturas infantis pensava se, por acaso, o Papai Noel ficasse entalado na chaminé, na minha casa nem existia chaminé, pois o fogão era a gás, quem o livraria daquele incômodo? Creio que não existiam bombeiros. Profissionais heroicos que até hoje povoam a minha imaginação de não mais menino.

De repente cresci. Não muito. Diga-se de passagem.

Acabei passando de criança a um jovenzinho que ia a escola pensando no futuro. Não sonhava naqueles verdes anos no que iria ser. Daqueles bons tempos até a escolha da futura profissão foi uma indecisão danada. Não tinha médicos na família. Meu saudoso pai era bancário e minha querida mãe professora.

A escolha da medicina se deu por influência de ninguém. Talvez por morar perto de um hospital, naquela rua que daqui se avista pelos fundos, tenha elegido a medicina como o caminho a seguir. Não seria feliz caso escolhesse ser bancário como meu pai. Professor talvez fosse uma escolha acertada. Mesmo sabendo das dificuldades e do pouco ganho de uma profissão tão desvalorizada, e fundamental para que um país encontre seu rumo. E não se perca no lamaçal que hoje nos encontramos. Em todos os sentidos. Literalmente…

Uma vez adulto pensei em constituir uma família. Foi antes dos trinta que este fato aconteceu. Depois do nascimento do meu primeiro filho descobri a alegria incutida nos olhos dele. A mesma alegria que se repetiu cinco anos depois.

Naqueles idos anos trabalhava com um furor insano. Quase não tinha noites de sono. Operava nos três hospitais. Fui o primeiro na minha especialidade.

Ainda me lembro de quantos pacientes me agradeceram pelo tratamento. Já outros não consegui atenuar-lhes as dores.

Pelo menos tentei.

Depois de anos e anos de trabalho diuturno, diagnosticando enfermidades, emitindo receitas, ainda continuo na mesma rotina. Ainda não me aposentei por completo. Não sei quando, ou se serei feliz, deixando de lado esta profissão tão linda, embora bastante mudada, de uns tempos pra cá.

Espero ter muitos anos pela frente. Continuar na lida é fato que me fascina. No dia em que não mais puder acordar com o despertar do sol, em plena madrugada, depois de uma noite frugal, não puder caminhar pelas próprias pernas, exercitar-me ao cair da tarde, escrever o que minha inspiração dita, ter a clarividência que ainda possuo, aí sim. Talvez aceite a minha condição de velho. E fique o dia inteiro a observar as flores no canteiro de um jardim qualquer.

Quando não mais puder me levantar do leito, descortinar do lado de fora da janela o despertar do sol, não enxergar o voo dos pássaros, aí, nesta hora ingrata, talvez me entregue à condição de idoso. Não me acho ainda idoso. Pois me considero ainda vaidoso. Embora o espelho mostre que os anos passaram. E o viço da juventude já se foi faz tempo.

De quando em vez acordo com um estranho pressentimento. Bem sei que a saúde que desfruto agora não vai me acompanhar para sempre. E quando ficar doente? Sem poder pelo menos me expressar convenientemente? O que vai ser de mim?

Agora ainda sou capaz de fazer quase tudo que tenho vontade. Escrevo, trabalho, nado e corro não com a velocidade do vento.

Ainda estou ciente das minhas responsabilidades de pai e avô. E quando não puder brincar com meus netinhos. Quando não mais puder presenteá-los com muitos mimos? Aí sim, talvez me entregue à condição de ancião. Por favor, lhes peço que não me deixem sair de minha casa. Não me asilem num lugar qualquer. Ainda que fique dependente de cuidados de terceiros deixem que eu mesmo decida em quanto tempo vou morrer.

Caso eu, um dia, tomara este dia tarde muito, alguma enfermidade incapacitante me pegue pelos braços, me jogue a uma cama de hospital, que logo receba alta para ir ao céu. Não desejo nunca que eu fique dependente de aparelhos para sobreviver. Enquanto eu viver quero poder decidir o que será feito dos meus restos mortais. Esta carcaça pertence a mim. É a decisão que elegi.

Acordei, no dia de hoje, final de mês, fevereiro logo se anuncia, pensando na vida.

O que me espera pela frente? O que vai ser de mim? Meu pai viveu apenas setenta e sete anos. No fim do ano estarei setenta.

No despertar deste dia tão lindo, ainda pleno de saúde, oxalá, no tempo de vida que ainda me resta, simplesmente pretendo viver.

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