O pé de goiaba que o vento e o tempo levaram

Anda frio nas manhãs bem cedo e aquece a temperatura na dobra do dia.

Venta um vento agostino. Embora setembro já nos atropele com seu hálito primaveril.

O céu azul até demais nada diz a favor das chuvas que hão de vir. E como ela é necessária nos ares da roça! Mas, enganam-se os citadinos, cidadãos urbanos, que olham pra cima e enxergam tudo azul, e, infelizes seres despensantes, mal sabem eles o quanto a chuva faz falta para que a gente tenha comida no prato, leite a encher copos e copos, o verde se torne verde mesmo, as árvores batam folhas de contentes.

Contra as chuvas dizem, os urbanistas, que as enchentes não sucederiam. As calamidades delas advindas ficariam apenas a espreita de novas águas de março. As mesmas águas que fazem a alegria das goiabas, frutas quando amadurecidas atraem uma legião de insetos oportunistas, os chamados bichos, que em suas cascas amarelas deixam furos prenúncios de que eles estão lá dentro. A importunar-nos com seus aspectos repelentes. Como se apenas nós, gente, fossemos os únicos a provar o sumo da goiaba madura, o doce vermelho de rico sabor, soberbamente quando acompanhado de queijo de minas, o famoso romeu e julieta.

Hoje, ao descer a rua, como de rotina, cedo, antes das sete da manhã, por mim passou, veloz como uma corça tentando escapar da leoa faminta, um rapaz embonezado, da cor da jabuticaba madurinha, outra fruta que me faz salivar, que me fez pensar no texto agora escrito. Bom dizer que a partir das oito os afazeres de médico me esperam. Tenho de deixar o escritor para amanhã. A mesma hora de sempre.

Assim que o jovem, já o havia visto em dias antes, deixou sua sombra, não havia sombra ainda naquela hora temprana, por mim deixou sua marca de seus passos lépidos, ultrapassei-o como um pé de vento fugaz.

Ao ver-me mais ágil, embora minha idade talvez seja o triplo da dele, senão mais, o jovem simpático me deixou falando sozinho. E eu ouvia música com meu fone de ouvido musical. Em altos decibéis.

Fomos, um e outro, alternando-nos na dianteira. Conquanto eu fosse atrás ele seguia no meu rastro.

Enquanto ele acelerava os passos eu esboçava uma corridinha manca. E levava uma pasta escura dependurada ao pescoço. Atitude que me deixava mais vagaroso ainda.

Durante a nossa amistosa troca de lugares dele ouvi que estava atrasado para ocupar seu posto numa guarita num condomínio distante. Pelo qual passava ao ir aos sábados a minha roça em Ijaci. O jovem, não lhe soube o nome, não deu tempo de perguntar, era o porteiro de um condomínio elegante chamado das goiabas, cercado de muros altos, entremeado de muito verde, de posse de professores da universidade federal de minha cidade amada.

Bem perto de onde estou nos despedimos afavelmente. Eu estava a frente alguns passos apenas. E ele seguiu adiante, já que estava atrasado para chegar ao epílogo de sua jornada, na saída de Lavras a Ijaci.

Agora, perto de me despedir do escritor que faz abrigo dentro do meu eu, lembrei-me de um pé de vento que um dia me pegou desprevenido. Não eu. E sim uma linda moçoila, não casadoira, que, num momento de descuido, não intencional, teve a saia levantada à cabeça. Mostrando o que não deveria, mas desejava. Para não apenas mostrar-nos a nós, homens feitos, partes da sua intimidade, apenas parte dela, já que o restante estava apenas encoberto por um paninho de nada.

Agora, voltando ao simpático rapaz, o porteiro do condomínio das goiabas, foi que me lembrei do caso de um pé de goiaba por mim plantado, um ponto ermo do meu passado. Não me recordo bem se foi na casa onde nasci. Naquela Boa Esperança que ainda existe. Não apenas a quilômetros e mais quilômetros de lonjura. Bem como afundado num poço de saudade escura.

Aquele pezinho de goiaba um dia se fez ausente. De mim. Não por mim querer. Mas por assim ter de acontecer.

O pé de goiaba que o vento levou existe até hoje, dentro do menino que em mim deixou cicatrizes de um tombo que me rasgou a testa, não tão ancha como a de hoje.

O jovem simpático porteiro, veloz, jovial, me deixou pensando no passado, que o tempo e o vento levaram. Pra algum lugar distante, mas perto o bastante para me fazer sentir, bem aqui, no meu âmago, uma pontinha doce de saudade tanta.

 

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