A moça do ponto de ônibus e a borboleta azul

Às quartas e quintas- feiras, sempre no meio da manhã, precisamente antes das onze, sem ter precisão exata, ali me assento.

Trata-se de um ponto de ônibus parcialmente coberto, seja dos rigores do sol, seja do chorume da chuva, com um assento de ferro polido, uma cobertura que mal nos protege os sentidos, tudo aquilo inserido defronte a um supermercado da zona norte da cidade.

De regra ele fica vazio. Dois, três, pacientes usuários ali esperam a vez e hora do embarque.

Por falar no transporte público da minha cidade ele merece menção meritória.

Funciona a contento, seja nos dias de semana, ou dias santos e feriados. Nunca, no pouco tempo em que frequento essa via de ir e vir, muito mais cômoda que os carros parados em engarrafamentos, bebedores de gasolina ou equivalente, tive contrariedades ao tomar aquelas conduções que cruzam a cidade em que sentido for.

Ao revés. Os motoristas são confiáveis, amistosos, velhos conhecidos dos frequentadores, hábeis no manejo daquelas máquinas enormes, que correm sem pressa pelas ruas e avenidas de pouco espaço da minha querida Lavras.

Muitas desfrutam de elevadores para erguer pessoa com necessidades especiais. Os assentos são confortáveis, sem excesso de libertinagem, e, se o passageiro tem de ir de pé, a segurança nada deixa a desejar.

Muitos usuários são velhos conhecidos. Até mesmo, velhos amigos. São vizinhos de bairro, colegas de trabalho, namorados, amantes, amados.

Deslocando-me por aqueles ônibus de cor amarela e branca vou imaginando o meu porvir. É ali que concluo: o mundo vai acabar de velho, ou, pensando melhor, em velho.

Mais da metade da lotação vazia daqueles utilitários urbanos são pessoas de maior idade. Exibem orgulhosos a carteirinha de seniores, que lhes faculta a prerrogativa de não pagar passagem. Alguns entalam na roleta. Crianças passam por baixo. Mãe, avós, trafegam pelos corredores espaçosos com a desenvoltura de gente de bem com a vida.

Voltando ao ponto de ônibus da zona norte, ao encalço da minha narrativa, quase todas as quartas e quintas- feiras, durante a curta espera para o próximo embarque, vislumbro uma senhorita, acredito de média idade, morena, tez clara, cabelos presos em rabo de cavalo, vestindo quase sempre a mesma roupa recatada: uma calça jeans azul, uma camisa branca, uma blusa de cor vermelha, um sapatinho de salto baixo.

Ela não espera a lotação. Depois de alguns minutos se levanta, sem dizer palavra, não responde ao meu cumprimento de bom dia, bom trabalho, e sai em direção a uma escola.

Talvez a própria seja professora daquela casa de crianças. Ou até mesmo uma serviçal que presta serviço por lá.

Não saberia dizer qual a idade da jovem senhora. Ou se casada, divorciada, ou solteira.

Caso ela tenha filhos, ignoro.  Netos, nem de longe proclamo.

Dentro da sua mudez ela não se comunica. Mal diz bom dia, ou até logo.

Todas as quartas e quintas- feiras a estranha senhorita está no mesmo ponto de ônibus circular. Não sei como ela chegou até lá. Se veio de pé. Ou se desembarcada na mesma condução.

Ontem senti-lhe a falta. A moça do ponto de ônibus ali não estava.

Olhei pro lado direito e nada de nela pousar os olhos. Do lado esquerdo, idem

No dia seguinte, uma quinta- feira, novamente a moça do ponto de ônibus se fazia ausente.

Confesso a minha preocupação com o seu paradeiro.

Hoje, início de setembro, quase primavera renascendo nas cinzas da estação antecessora, no ponto de ônibus estava pousada uma borboleta azul.

Era uma linda lepidóptera de asas cuidadosamente tintas de azul.

Só que era uma borboleta diferente. Vestia uma calça jeans de cor azul. Uma blusinha branca envolvia-lhe o corpicho frágil. Um casaquinho vermelho cobria, carinhosamente, a camisinha branca. Nos pezinhos um sapatinho de salto baixo.

A borboletinha, pousada frugalmente naquele banco de ferro batido do ponto de ônibus da zona norte mal me dirigiu um farfalhar de asas. Logo depois ela partiu. Balançando asas, como aquela moça misteriosa do ponto de ônibus.

Dias depois, ao assentar-me naquele banquinho tosco, à espera da lotação, vi a linda mariposa azul voar em minha direção.

Pousou delicadamente em meu colo. E me disse, com seus olhinhos escuros: “sou aquela moça morena do ponto de ônibus. Senti a falta do senhor”.

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