Não vejo a hora

Naquela manhã do mês de abril em seu começo o céu parecia emburrado.

Era um dia cinzento. Mal se percebia o sorriso do sol. Nem as nuvens se deixavam ver.

A previsão era de que mais chuva cairia no decorrer do dia. O frio ainda nem começou.

Foi quando seu Juvenal olhou as horas.  Precisamente seu relógio mostrava cinco em ponto.

Era do seu costume acordar bem cedinho. Madrugão assumido e convertido desde quando passou dos sessenta.

Seu Juvenal, na presente data, completou oitenta anos.  Bem vividos na sua rocinha amada.

O peso dos anos ainda não pesava nos seus costados. Acostumado ao trabalho pesado quem o visse, caminhando sempre, no seu mourejar constante, seja na ordenha das vacas como também no carpir do mato. Não lhe daria mais que cinquenta.

Aquele homem bom perdeu a companheira, sua amada Francisca, na semana passada.

Foi a maior perda da sua vida.  Junto dela viveu feliz mais de sessenta anos.

Deixaram dez filhos que lhe deram de presente vinte e cinco netos.

Naquela manhã macambúzia foi quando ovisitei.

Encontrei seu Juvenal prestes a deixar o curral.  Sem empregado ele dava conta do recado. Tirava leite com as próprias mãos. Não tinha ordenhadeira nem onde resfriar o leite. Deixava os latões de leite enfiados n’água fria de um corguinho que passava por ali. De vez em quando um lambarizinho era encontrado em meio ao leite. Mas ele jurava que era puro acidente. Nunca teve a intenção de aumentar a produção leiteira inserindo água. Era pessoa honesta pra chuchu dependurado no varal da honestidade.

Parei junto dele para uma prosa curta. Não tive a oportunidade de vir ao sepultamento da sua amada esposa.  Vim na intenção de prestar-lhe os meus respeitos e consideração.

“Amigo Juvenal. Meu sincero pesar. Bem sabia do seu amor pela falecida. E como sei que ela vai fazer falta. Só o tempo vai lhe consolar. Não te peço que a esqueça. Isso não tenho a intenção de fazer”.

Foi quando ele me olhou profundamente nos olhos.  Demonstrando tristeza imensa.

“Meu amigo. Que bom que você está aqui. Desde que minha querida Francisca se foi não tenho com quem me abrir. Agora vivo só. Não fossem as minhas vacas, o meu trabalho pesado, não sei o que seria de mim. Agora não vejo a hora de o sol se por. De recostar-me ao leito e ver o sono chegar. De vez em quando me lembro dela. Do seu carinho, do seu achego, do amor que ela me dedicava. Que era tal e qual um bumerangue que vai e volta pra mim. Agora não vejo a hora de me juntar a ela. Desejo, de coração, que me chamem para o nosso reencontro na maior brevidade possível. Não suporto a sua ausência. Desfruto ao máximo dos nossos momentos juntos. Sem ela não sei viver. Não vejo a hora de acordar bem cedinho. Deixar nossa cama em hora temprana. Tomarmos nosso desjejum matinal. E repartirmos o pão nosso de cada dia. Ela e eu, como dois jovenzinhos enamorados, fazendo amor do nosso jeitinho. Não vejo a hora de me juntar a ela onde ela estiver. Não num dia cinzento como esse. Que seja numa manhã ensolarada. Num roçar de pés que tanto me fazia bem. Agora que vivo só não tenho a quem abraçar.  De vez em quando abraço o travesseiro sentindo o cheiro doce dela. Mas não a vejo do meu lado direito costumeiro. Agora não vejo a hora de acordar bem  cedinho. Ir ao curral, agora sem ela, ordenhar minhas vaquinhas. Uma delas me lembra ela.  A quem dei o nome de Chiquinha. E que vaquinha boa é elazinha.  Que me faz recordar daqueles tempos bons do começo do nosso namoro. Andando no sentido contrário do rela do jardim. Não vejo a hora, meu amigo, de me despedir dessa vida para me unir a ela noutra.  Num dia que espero não tarde muito ainda”.

Deixei meu amigo Juvenal entregue aos seus devaneios. Naquela manhã cinzenta quando nos encontramos pela última vez.

 

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