O inverno mal começava e o frio já esticava as pernas.
De madrugada a temperatura ia aos menos de zero graus.
De manhã cedinho os termômetros registravam menos de cinco.
Mas aquela friaca não impedia o estóico Zé de se levantar da cama. Era de seu costume passar a noite em claro naquela escuridão de fazer vaga lume acender sua luzinha de nada adiantando já que a escuridão predominava.
Zé já havia passado dos muitos anos. Seu último aniversário foi celebrado no derradeiro fevereiro. Foram mais de oitenta velinhas assopradas naquela noite festiva. Zé assoprou de um fôlego só. Quase incendiando a salinha.
Zé era um teimoso com ele próprio. Não tinha o costume de se consultar. Já era tempo de se deixar examinar a sua próstata. Mas quando seus filhos recomendavam dizia: “ah! Eu, naquele lugar de saída imaginem se eu, velho turrão, que nunca permiti a nenhures nem sequer admirar aquela zona do agrião. Nem papel higiênico uso para economizar. Vou deixar um médico enxerido me botar naquela posição incômoda. Meter o dedo no meu butão. E me perguntar se foi do meu agrado. Tenho medo de dizer a ele que foi bom demais. E no retorno trazer a ele um buquê de flores. Coisa que nunca fiz a minha amada Dorotéia”.
Zé Broa, apelido pelo qual era conhecido. Por saber fazer uma broa cheinha de queijo que fazia salivar de tão apetitosa. Morava numa rocinha isolada da cidade. Quem ali chegasse por certo tinha errado o caminho. Era um fim de mundo. A cidade mais perto ficava a léguas de lonjura. A mais de um tiro de espingarda segundo ele dizia.
Mas Zé não era de reclamar da sua saúde. De vez em quando, no tempo de frio, uma gripinha o intimava a ficar na cama. Mas quem diz que essa doencinha seria capaz de fazer dele um incapaz. Tratava a sua gripe sem se vacinar. Fazia um xazinho de folhas de hortelã. Uma benzedeira, velha conhecida, a qual diziam ser sua amada amante. Depois de dormir com ele Zé sarava no dia seguinte. Dizendo sempre: “médico pra quê. Custa caro. A minha amada Bete cura tudo. Até mal de cotovelo”.
Zé Broa não tem parança. Nos seus mais de oitenta não se lembra de quando foi a um hospital.
Se foi se esqueceu. Mas quis o tempo que ele começou a sofrer da urina. Mijava de hora em meia. Não tinha sossego para dormir. Debaixo de sua cama dormia um pinico. Que acordava cheinho pelas beiradas. A casinha, que ele conhecia por banheiro, era do lado de fora da cozinha. Zé morava só. A amada Bete de vez em quando aparecia. Era ela que lavava suas roupas. Era como sua esposa Dorotéia já falecida. Com uma grande vantagem, ela não lhe dava despesas. Não cobrava pelos serviços prestados.
Naquela manhã de inverno passei por ali. Estava um frio de fazer pinguim se esconder num iglu.
Encontrei o Zé meio aperreado. Amuado ainda recolhido ao seu leito. Já era mais de dez horas. E ele ainda não havia saído de casa.
Zé Broa era muito querido pela vizinhança. Pau pra toda obra não recusava ajudar a quem precisasse.
Como ele já estava avançado em anos todos lhe recomendavam que se mudasse pra cidade. Mas quem diz que Zé estava de acordo. Ele sempre dizia: “Só vou sair daqui quando mortinho da silva. Mesmo assim contrariado. Aqui nasci e aqui vou viver até morrer”.
Zé amava aquele lugar. Gostava de ouvir o mugido das vacas e sentir o cheiro do esterco do curral. Nada melhor que chupar jabuticaba no pé depois de uma chuvica mansa. De levantar cedinho e tomar seu cafezinho com sua broa de queijo feita agorinha mesmo. De dormir ouvindo o jacu piar. De pegar a sua égua no laço e sair com ela a cavalgar.
Mas naquela manhã, quando o visitei. Quando senti nele uma amargura sem causa aparente.
Zé nem deu pela minha presença. Simplesmente me olhou e desconversou. Como se estivesse me pedindo para voltar noutro dia.
Bem sabia o quanto Zé amava aquele lugar. Ali se sentia num paraíso encantado. Tanto na ordenha de suas vacas quanto cuidando da sua hora de couve.
Mas agora, sofrendo da próstata. Tendo de urinar a cada minuto. Foi quando enfim tirei dele algumas palavras.
“Meu amigo, antes tudo me fazia feliz. A cada hora do dia mais me sentia alegre. Agora, a pior hora do dia pra mim é quando tenho de dormir. Tem dia que prefiro nem acordar. O sono não vem, e quando vem me da uma vontade imensa de urinar. Nem da tempo de chegar à casinha. Encho o pinico e molho o pijama. Pra mim a pior hora do dia é quando tenho de ir ao banheiro. O que você me aconselha?”
Tirei da algibeira a minha carteira de urologista. Mas nem sei se o Zé Broa vai se consultar.