Por vezes fico pensando. De que cor se veste a saudade? Ou, se ela tem cheiro, qual o odor que dela sentimos?
Ainda sob o impacto da dor e saudade, nessa manhã de outono, dia fresco, céu azul, deixo sair de dentro de mim toda a dor que me assalta.
Esse cãozinho de pelagem preto e branca, vivia a beira lago de uma represa, desde quando filhotinho. Creio, se a contagem não bate com a verdade, há quase quatorze anos.
Pirunguinha é seu nome. Nome dado em homenagem a outro amigo.
Ele veio a morar em Camargos numa casa construída lado a lado a do meu pai.
Pirunguinha era amigo de verdade. Confesso que sua amizade muito me fazia falta. Embora me fizesse ausente de sua pessoinha canina. Que ladrava sempre que eu chegava.
Corria junto comigo com suas quatro patas velozes. Seu olhar sempre me dizia: “amigo, não se ausente muito. Sinto falta de você”.
E como Pirunguinha era educado. Não entrava em casa a não ser com minha permissão.
Era de seu costume receber a filhinha do nosso caseiro Valdir sempre que ela voltava da escola em Itutinga. Cidade das pedras duras e da água boa. Distante a poucos quilômetros da bela represa.
Ainda me lembro de quando íamos lado a lado até aquela comunidade numa corrida lenta. Meu cãozinho não corria muito nem demonstrava cansaço. Enquanto eu arfava exalando suor por todos os poros.
Se alguém pode demonstrar fidelidade tomo como exemplo a dele. Cães são amigos de verdade. Afeiçoam-se ao dono e nada cobram por sua amizade. Exigem muito pouco. Uma pitadinha de ração. Um afago carinhoso. Além de uma visita rotineira ao lugar onde moram.
A distância não nos fazia menos amigos. Cães escolhem os donos. E são fiéis e devotados até que a morte nos separe.
Meu amigo Pirunguinha só tinha um pequeno defeito. E quem não os tem?
Quando jogávamos futebol, num campinho de um gramado verde, acima de nossa casa, era preciso tomar cuidado com ele. O danadinho furava a bola com seus dentes afiados. E me olhava desconfiado como se esperasse uma recriminação minha. Não era preciso olhar pra ele. Pirunguinha era expulso de campo. Sem nem ao menos receber o cartão vermelho.
Foi na semana passada o acontecido. Foi meu filho Stenio. Outro amante dos cães. Que recebeu a infausta noticia.
“Pirunga não está bem. Não anda mais atrás de marolinhas na represa. Não corre nem ao menos se levanta. Venha buscá-lo antes que seja tarde”.
E ele foi. Trouxe nosso adorável Pirunga na caçamba da minha caminhonete até uma clinica veterinária de bom conceito. Já sabia que todo esforço talvez não fosse suficiente para mantê-lo vivo. Algo me dizia que meu amigo Pirunguinha estava próximo do fim.
Uma semana se passou. Procurava saber noticias da saúde do meu amiguinho. Era de extrema gravidade o seu estado.
Hoje, segunda feira, aqui estou rememorando a nossa amizade. Pirunga não resistiu a sua enfermidade. Não estava presente quando ele foi eutanasiado. Enfim meu amigo se foi. Foi sepultado numa cova na mesma represa onde vivia feliz. Ao lado de outro cão de nome Nietzsche.
Mais uma vez me fiz ausente. Gostaria de me lembrar do Pirunguinha correndo atrás de marolinhas na represa de Camargos. Ou dizendo pra mim, com seu olhar doce: “meu amigo. Volte em breve. Sinto falta de você”.
Agora tenho certeza de qual a cor de uma saudade. Ou qual o odor que dela se desprende.
A saudade pra mim tem a cor da amizade do Pirunguinha. Preta e branquinha como a neve imaculada. E com o cheiro doce dos seus latidos. Que não me incomodavam tanto como agora me incomoda a sua ausência.
Não vai haver um próximo encontro nosso, meu amigo. Camargos pra mim perdeu o sentido.
Ai, nesse lugar tão lindo, não existem mais vocês dois. Meu amigo Pirunguinha e meu saudoso pai.