A mió coisa desse mundo, segundo Zé Preguiça

Das tantas que considero a melhor, nada como publicar mais um livro.

Ver mais aquele filho, que não chora, apenas abre suas páginas ao desfrute dos leitores.

E vê-lo nascer naquela maternidade a qual chamo gráfica. Com aquelas máquinas barulhentas que contrastam ao silêncio de um hospital. Nascendo mais aquele filhotinho cheinho de letras. Com sua carinha chamada capa. Bem feita como meu derradeiro livro Rakel. E ver aquele filho livro ser apreciado pelos leitores. Embora muitos deles ainda não tenham sido adotados entulhando estantes e prateleiras. Não importa. Pra mim o que conta é a satisfação por tê-los permitido nascer. Mais um filho de muitas páginas e letras. Que pra mim, escritor não reconhecido. Pouco lido. Trata-se de um dos maiores prazeres que conheço. Dentre tantos que tenho tido. Nessas minhas andanças por esse país. Onde livrarias fecham as portas. Em contraste dissonante com milhares de barzinhos que pululam por aí.

Outra coisa que considero como uma das mais agradáveis de ter comigo. A alegrar os meus dias nesses setenta e cinco anos que colecionei. É ver o despertar de mais uma manhã. Bem cedinho. Nesse mês de março que hoje encerra seus dias deixando outro mês nascer. É retratar o cotidiano. Deixar a inspiração vazar.  Mostrando as minhas inquietações. Depois de uma noite curtinha. Passada numa cama bem macia. Ao lado da minha esposa, minha adorável Rosinha.

São tantas coisas que tenho guardadas como as melhores que aprecio. Numa lista sem final ou começo. Que temo deixar ao olvido do esquecimento outras de mais valia.

Uma coisa que não me podem chamar é de preguiçoso. Nos meus mais de setenta nunca pensei em me aposentar. Vivo imerso ao trabalho, em menor ritmo agora me encontro.

Já dei de mim o máximo. Já perdi noites de sono. Já operei milhares de pacientes. Já deixei contentes milhares de pessoas por ter-lhes livrado das dores que elas sentiam. Já vi sorrisos a enfeitarem os lábios. Da mesma maneira já os vi crispados de dores.

Já tive alegrias aos montes quando vi meus filhos nascerem. E quando meus netinhos me abraçam. Ai sim, enche-me o peito de saudades quando deles me despeço.

Já meu amigo, de nomezinho descomplicado, Zé, alcunhado de Preguiça por ser desafeto ao trabalho.  Que ama dormir até o mais tardar das horas. Ele dorme de dia. Acorda noutro dia. E ainda reclama que não o deixaram sossegado curtindo aquele soninho gostoso. Tão apetitoso quanto um naco de goiabada generoso com queijo frescal. Feito ainda pouco dessorando soro salgadinho. Ou ainda doce de leite docinho como beijinho doce da mulher amada.

Zé nunca foi afeito a lida pesada de uma enxada. Com a foice foi-se o tempo de com ela carpir mato. Zé é um folgazão bonachão. Vive das rendas de sua mulher. Coitada da dona Aurora. Ela é que tem de sustentar a casa e sua penca de filhos chorões.

Zé nunca ajudou a mulher na sua faina diária. Dorminhoco nem vê o sol nascer.

Cochila quando o intimam a trabalhar. E diz, contrafeito: “trabalhar pra quê? Tenho minha amada Aurora  a trabalhar pra nós dois.”

Zé já aposentou a enxada há anos luz que um dia se apagou. Nunca foi de pegar no pesado. “Vivo de leve. Não esquento a pioenta, deixo o trabalho pro cês. Trabalho cansa e eu so quero descansar.”

Foi naquele final de semana que estive com ele. Era ainda cedinho. Bem antes das seis da tarde.

Zé já estava com seu pijamão listado. Tomando um pratão de sopa. Preparando-se pra dormir.

Não querendo incomodá-lo, pois bem o conhecia. A ele perguntei: “Zé, qual a coisa mió desse mundo pro cê? Além da sua muié”?

Ele, fechando os olhinhos, de sono,  me respondeu: “que memo saber? Amo a minha Aurora. Mas tenho verdadeira predileção pela minha caminha. Ela mora no meu sono e no meu coração”.

Não precisa dizer que Zé deitou na sua cama.  É só acordou dois dias depois.

Que inveja sinto do Zé. A cama, em absoluto, não é, pra mim, a coisa mió desse mundo.

Tenho outras tantas a dizer. Que nem cabem nesse texto que terminei de escrever.

 

 

 

 

 

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