Campeões da vida

Como é bom receber medalhas. Subir ao alto do pódio. Ser ovacionado pela multidão.

E ainda por cima, se não bastassem os louros da vitória, receber prêmios em dinheiro pelo feito grandioso. Vencer e convencer a todos que seu esforço não foi em vão.

Esses vencedores são considerados ícones da pátria. Nesse nosso pais, onde ídolos de verdade não são reconhecidos. E idolatram-se ícones de pés de barro. Pessoas que não resistem ao crivo do tempo e logo perdem o brilho como uma estrela que de repente se apaga.

Como é bom ter um garoto, como esse tenista que agora desponta entre os melhores com um futuro promissor. Torço por ele como um dia aplaudi de pé outra figura carismática que num passado recente se aposentou.

Guga e João Fonseca são verdadeiros campeões.  Que devem ser reverenciados como verdadeiros heróis do esporte.

Em contrapartida, na minha estulta opinião. Não digo o mesmo de certos jogadores de futebol, que percebem somas milionárias. Mas não são exemplos de nada as futuras gerações.

Não irei citar nominalmente para não angariar desafetos. Já que não sou torcedor de nenhum time de futebol, pois prefiro o esporte das raquetes e das bolinhas amarelinhas. Em que partidas são batalhas renhidas. Que podem durar mais de dez horas terminando com um vencedor apenas.

Em meu conceito, entretanto dos tantos campeões que vivem por ai.

Não posso deixar ao olvido do esquecimento a figura estóica do meu amigo Chico Bento.

A essa hora temprana ele deve estar no curral. A primeira ordenha já deve estar ao final.

A vacada faminta deve estar de barriga cheia. Prestes a deixar o curral mugindo de saudades dos seus bezerrinhos.

Antes das sete Chico ainda tem um tempinho para tomar um cafezinho. Já que outras tarefas o esperam até no mais tardar antes das dez da manhã.

Chico não tem parança. Irrequieto ele pula de um lado pro outro. Desdobra-se em dez sendo apenas um.

Naquele dia choveu a fazer enxurradas descerem o morro. A lama viscosa impediu o caminhão leiteiro de ir lá embaixo. Não restou ao valente Chico senão levar os latões de leite morro acima.  Mas cadê a mula empacadeira? Ela, sabichona, assim que a chuva caiu escafedeu-se num matinho perto para não ser encontrada. E não restou ao heróico Chico senão levar duzentos litros de leite na cacunda vergada pelos anos.

E, não bastante tamanho infortúnio a melhor vaca do curral, parida recente, sumiu na braquiária. Cadê ela? Cujo nome era Cadela.  A tal foi encontrada depois de exaustiva procura. Atolada até os chifres num brejinho rasinho. Onde a saracura endiabrada faz seu ninho e choca as saracuracuradazinhas peraltinhas.

Chico Bento, mal se aguentando nas suas pernas andejas, ainda tem de roçar a pastaria. Sujinhas, quase um sarandi intrincado. Onde quase não se pode entrar.

Enfim a sagrada hora do almoço.  Ele, faminto como um capado gordo, embora não tivesse um palmo de gordura abaixo da secura da sua barriga magérrima.   Enfarou-se de comer carne de porco guardada na própria gordura.

Na parte da tarde mais trabalho pesado o esperava. Antes que o sol se preparasse para dormir com a lua o velho Chico ainda tinha de fazer a segunda ordenha. Mais chuva a deitar-lhe no lombo. Naquela hora exata falou luz na sua propriedade. Perdeu-se o leite todinho. Azedou-se o que devia ser doce.

Era hora de dormir. Cadê aquele soninho apetitoso? Foi pra cucuias.

A televisão não funcionava. Na geladeira tudo esquentava.

Não restou ao velho Chico Bento fingir que as estrelinhas miudinhas eram carneirinhos paradinhos. Na tentativa inglória de tentar dormir um cadiquinho.

O novo dia amanheceu com o sol brilhando de novo. Grande novidade já que a chuva caiu no decorrer da tarde.

Mais uma série de percalços na vida atribulada do Chico Bento. Parecia que ele carecia de uma boa benzedura. Quem sabe um bom descarrego iria lhe fazer bem?

Assim o fez. Procurou uma boa benzedeira. Mas aquela ziquizira de nada adiantou.

Faltou luz de novo na sua rocinha prejuizenta. Os prejuízos aumentaram em cifras catastróficas.

Não restou a ao pobre Chico Bento senão vender a sua propriedade.

Mudou-se pra cidade. Onde mora debaixo de um viaduto. A mercê de sua aposentadoria mixuruca. Que mal dá para o seu sustento.

Quando falam em campeões do esporte.  Em ídolos que merecem aplausos e não apupos.

Por favor, eu lhes peço.

Não se esqueçam desses heróis anônimos que são solenemente ignorados.

Distintos Chicos Bentos nunca irão subir ao pódio. Ou irão receber medalhas ou prêmios milionários.

Mas pra mim são verdadeiros campeões da vida nossa de cada dia.

 

 

 

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