“Quanto menos inteligente o homem é, menos misteriosa lhe parece a existência”.
Insofismável verdade. Frase que deveria ser escrita no dia de ontem primeiro de abril. Tudo indica que o autor que inseriu esta verdade na minha crônica deste domingo a tarde estava coberto de razões.
E quem é o dono da tal razão. Todos dizem, durante acaloradas discussões, que a verdade verdadeira a ele pertence.
Melhor ainda é o dito: “quando um burro fala o outro equino murcha a orelha”
A melhor resposta a uma conversa que não leva a nada em verdade se trata do silêncio.
Quem se sente ofendido deve sempre se calar para não alongar a irritante discussão que pode vir recheada de impropérios e palavrões.
Assim aconteceu comigo durante a viagem que terminou na última sexta feira. Viemos de Miami num voo tranquilo por uma aeronave da companhia aérea norte americana American.
Eu não tive queixumes do tratamento a bordo. Não conheci o comandante do Boeing de bom tamanho que veio lotado dos Estados Unidos até Guarulhos. Foi uma aterrissagem bastante suave e confortável. Não houve maiores turbulências que nos fizesse expelir o conteúdo gástrico daquela janta servida naquelas embalagens ridículas em permeio àquelas poltronas mais que desconfortáveis. E como o norte americano anda obeso. Quase obeso mórbido.
Mas, quem estava do meu lado direito deu um palpite ridicularizando a aeronave e a tripulação pra mim mais que cordial. Eu me calei como um peixe que não deveria abrir a boca para não engolir o anzol iscado com uma minhoca saltitante e vivinha da silva. E é sabido e ressabido que peixes não deveriam abrir a boca para não se meterem em confusão.
Já um velho amigo. Vizinho de cerca da minha rocinha na zona rural de Ijaci. De nome descomplicado imposto pelo padrasto. Que era e ainda é- Zé da Perseguida. E o tal Zé assim fora batizado por ter um pai submetido a uma enorme galhada chamado de chifrudo pelos velhos amigos da onça pintada do Pantanal. E Perseguida por causa da tal madama que pela sua formosura tinha a sua perseguida disputada tal e qual a melhor vaca do curral. Uma que dava mais de cem litros de leite só na ordenha matinal. E como era fogosa a tal madama do meu amigo Zé. E sua perseguida valia mais de dez mil contos de reis.
E tinha quem pagasse mais de um carro de milho ou uma porcada com uma porca recém parida trazendo entre as pernas mais de cinquenta leitõezinhos esfomeados.
Acontece, por um acaso do descaso, meu amigo veio, do peito. Que assinava qualquer documento com seu dedão maior. Pois era analfabeto total. Num dia de sorte e não de azar, teve um palpite e jogou na loteria e ganhou a soma estrondosa de mais de dez milhões de reais.
De repente enricou.
E a primeira providência que tomou foi guardar a importância dentro de um colchão de palha mais velho que minha bisa.
E, depois de pagar as contas que devia à farmácia do Seu Antonho. De saldar do seu saldo devedor com um banco de jardim.
Teve a infeliz ideia de viajar aos States. E não sabia uma só palavra de inglês muito menos português. E foi de carroça até a capital mineira para embarcar num avião pra ele mais parecido a um urubusão motorizado.
Era embarcar ou largar. Só não desistiu da viagem pois já tinha pago em dólares. Uma mala cheia de notas de cem. Igualzinha aquela que aquele político safado guardou em malas enormes lá em Salvador Bahia de todos os santos.
E desembarcou em Nova York em pleno inverno. Nevava branquinho.
E meu amigo o infeliz Zé da Perseguida pensou que toda aquela brancura eram flocos de algodão doce. E mergulhou de testa. Ai! Que dor…
E foi mais além. Aquele tombo forte o levou ao pronto socorro de um hospital grã-fino da Big Aple.
E é sabido pelos sabidos que nos Estados Desunidos da América não tem plano de saúde que pague despesas hospitalares como cá no Brasil.
E o fulano, aparentado com o cicrano tem de pagar o que deve o que não. Em dólares não reais. E não adiante suplicar em português mal falado que eles dizem: “do yourself”. E você tem de pagar se não vai em cana mesmo.
E o pobre Zé não sabia como chamar um attorney -advogado em inglês. E acabou pagando cadeia por trinta dias inteiros ao lado de estupradores e serial Killers.
Dali saiu como se deixasse o lugar onde capetas amam a quentura das praias brasileiras. Só faltou a areia e as ondas do mar para sentir em casa.
Já era hora de voltar.
O retorno foi na mesma aeronave da ida. A mesma comida intragável com sabor de queijo mofado. E o pão mais duro que ele antes de ganhar na loteria.
No desembarque, antes da alfandega, e do free shop, teve as suas malas abertas e ali encontraram muambas que não eram dele.
Só não foi preso mais uma vez pois um seu compadre, que por acaso era eu, tive a sorte de levar na minha mochila dois dos meus últimos livros. E o conferente das malas era leitor assíduo de boa literatura.
Em troca da permissão dada ao meu amigo Zé da Perseguida ficaram como reféns meus dois libros. O Por quem os sinos não dobram e a coletânea de crônicas Leia com meus olhos.
E sabem vocês as últimas palavras que Zé me assoprou aos meus ouvidos: “Aquiquebão. Num é”?
Não tive como discordar do amigo Zé.