Só me resta você

Até parece frase dita por um parente de doente terminal.

Aquele que beira o último suspiro num leito de hospital.

Assim passei parte de minha vida.

Como médico cirurgião operando. Infelizmente tendo de reoperar.

Por circunstâncias alheias ao meu desejo.

Exemplifico: quem ainda não teve em suas mãos enluvadas um paciente operado de próstata. Cuja sonda por onde escorre a urina, com uma irrigação continua, acaba por entupir no meio da noite. E nós, urologistas somos chamados ao telefone. Ainda com os olhos sonolentos e meio tontos. De tanto trabalho no dia de antes. Temos de retornar ao hospital rapidamente.

E, de novo no centro cirúrgico temos de reabrir o abdome do mesmo enfermo. Já com o ventre abaulado e a bexiga urinária repleta de coágulos enormes que não saem pela sonda.

Reabrir o reservatório que serve de caixa d’água de urina. Retirar com as mesmas mãos atentas ao que se passa no ato operatório todo aquele sangue coagulado em montões.

De novo fechar a bexiga. Suturar passo a passo todas as camadas uma a uma até que a pele seja definitivamente suturada. Rever como está a irrigação. Se da cor de água da mina ou ainda de um vermelho tinto de sangue preocupante. E, felizmente ao cabo do dia seguinte, durante a visita comprovarmos que tudo corre as mil maravilhas. E, dias depois o paciente feliz recebe alta. Conseguindo, depois da sonda uretral retirada enfim voltar a urinar novamente com o velho jato de dantes quando jovem ainda.

Vamos deixar esta aula de cirurgia de próstata e ir direto ao assunto.

Todos nós temos ou tivemos pais. Que bom que estes mesmos pais nos presentearam com um ou mais irmãos. E como é bom ter uma irmãzinha para que a gente possa acompanhá-la ao seu baile de debutantes de braços dados com elazinha.

Ser filho único não me satisfaz. Melhor ter em nossa casa uma ninhada de moleques para brincar.

Eu fui agraciado com apenas e tão somente um irmão. A Rosinha a considero minha irmãzinha querida embora ela não tenha nascido do ventre de minha mãe e sim de uma tia muito amada de nome Cida que recentemente nos deixou.

Ah! Já ia me esquecendo de outro irmão Frederico que pouco tempo perdurou ao nosso lado. Ele veio a falecer prematuramente graças a uma doença congênita que o fez mudar de casa para outra morada nos céus do nosso Senhor Deus Nosso Pai.

Mal conheci este meu irmão. Cujo nome é muito parecido ao meu querido Fred. Cinco anos mais jovem do que eu.

Fred Ozanam Rodarte de Abreu abraçou outra profissão díspare da minha. Ele sempre foi afeito aos números, contas e professa a crença nos ditames do livro sagrado tal e qual um pastor. O que na verdade ele ainda o é.

Eu e meu irmão Fred pouco tempo passamos juntos. Eu fui o primeiro a deixar a nossa casa naquela rua que daqui se avista pelos fundos. Ele para Belo Horizonte partiu anos depois.

E infelizmente a distância em metros ou para ser mais exato medida em quilômetros nos fez apartarmos no tempo e no espaço. Se bem me lembro a derradeira vez que fui a sua casa fazem tantos anos que nem conto quantos são.

E ele retribui com longas ausências.

Mais frequentemente nos encontrávamos em Camargos. Ele e sua prole e eu, em outra casa vizinha junto a minha.

Em nossa Lavras apenas no aniversário de nossa irmã Rosinha que aniversaria no próximo vinte e três de fevereiro. Uma pequena celebração restrita à nossa pequena familia dos Rodartes.

Fred faz cumpleanos em vinte e sete de novembro. Eu alguns dias depois.

Não me lembro mais da última vez que estreitamos nossos abraços em uma ou outra oportunidade. Talvez o motivo tenha explicação pela distância jamais pela falta de amizade.

De vez em quando recebo uma ligação telefônica do meu único irmão de mesmo sangue.

Se preciso for com que prazer recheado de orgulho a ele daria meu próprio sangue.

Iria às carreiras a Belo Horizonte. Deixaria espetar mesmo que fosse uma agulha rombuda em minhas veias grossas e nem faria careta pela dor que não estaria sentindo.

Meu caro irmão único de nome Fred. Deixo de lado o Ozanam Rodarte de Abreu.

Você é meu único parente mais chegado com quem tenho pouco compartilhado a saudade que sinto de você.

Daí o título que perfaz essa crônica de hoje cedo.

Tenho pela sua pessoa o maior carinho e declaro, de próprio punho, a minha verdadeira lealdade e genuína amizade. Não irei repetir que só tenho a você pois outra familia por mim constituída acaba preenchendo o vazio que sinto por não o ter ao meu lado sempre.

As nossas ligações telefônicas não me bastam.

Gostaria de que fosse lavrado em ata todo amor que sinto pela sua augusta e competente pessoa. Engenheiro semi aposentado. Que ainda faz projetos em menor escala mas entende de plantas como o paisagista pensa entender de jardins.

Meu único irmão de sangue. Por ora penso na hora de ter você ao meu lado…

 

 

 

 

 

 

 

 

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