“Eu num te falei?”

Quantas incontáveis vezes a gente ouve conselhos e responde ao amigo: “embora você tenha me alertado pouco caso fiz de suas recomendações.”

E por vezes me sinto avesso a conselhos. Pois caso eles fossem bons não seriam gratuitos. E seus preços seriam dispendiosos a qualquer bolso dependendo de suas qualidades e não meias verdades.

Muitas recomendações acabam entrando por um ouvido e despedindo-se do outro situado no outro lado da face. E, pensando melhor. Neste dia lindo de uma terça feira, derradeiro dia de janeiro, mês de muitas chuvas e poucos sois, foi quando matutei com meus pensamentos: se por um acaso de um descaso a gente nascesse com apenas um ouvido. Por onde iria sair a segunda recomendação de um amigo caro? Já que o segundo aparelho que nos permite escutar não existe? Me respondam. Encarecidamente. Pensem bem antes de dar a resposta pra mim não tanto premente.

Pela boca? Pelas narinas entupidas? Ou até mesmo por algum pequeno orifício meio distante de nossos ouvidos? Não lhes direi como ele se escreve. Apenas soletro c u.

Ainda me lembro das admoestações de minha querida mãezinha quando fazia alguma travessura brejeira. Próprias de crianças espertas e arteiras.

“Meu querido pimpolho Paulinho. Não se esqueça de, depois de brincar na rua, fazer as lições de casa. Senão a dona Juraci vai lhe puxar as orelhas orelhudas. E vocezinho pode ficar de castiguinho ajoelhado numa espiga de milho com todos os bagos de milho debulhados. Deixe as bolinhas de gude de lado e o jogo de finca aos seus amiguinhos chegados”.

A partir de certa idade nutro verdadeira ojeriza quando me chamam a atenção estando eu com a razão. E eu faço de conta que não escuto a repreensão. E vou em frente que atrás pode vir gente. E tem cada trapalhão que pode me pisar na minha janete. Melhor dito joanete. Aquele calo que nasce pra fora de um de nossos dedos dos pés que incomoda mais que a nossa sogra que decidiu morar lá em casa.

Hoje, dito e repetido, que dia risonho amanheceu hoje cedinho. Um solzinho tímido arregaça as manguinhas e diz adeus a lua.

Meu relógio, não de sol, me avisou que estava um cadinho atrasado. Via de sempre chego mais cedo a minha oficina de trabalho a fim de escrevinhar crônicas de dar seguimento a um romance de nome Rakel.

Logo ao subir a ruinha de meu apartamento ao edifício das clínicas deparei-me com um gordinho doutor das veias e artérias caminhando lento morro abaixo.

E como este doutor é simpático, competente e dele irradia simpatia e bom humor.

Não irei declinar-lhe o nome e o sobre pois ele é assaz conhecido em nossa cidade e arrabaldes.

Só irei deixar escrito que este doutor está bem acima do peso e que seu consultório fica no terceiro andar. Nunca o vi subindo pelas escadas ou fazendo exercícios. E ele é bem mais jovem do que eu nos meus mais de setenta anos de oficio.

Ao vê-lo caminhar como tartaruga manca não me contive. Subi o pequenino morro na velocidade de um carro de fórmula um.

Chegamos cara e coroa ao saguão do prédio. Enquanto ele arfava eu respirava em ritmo mais que o normal. E como ele exalava suor por todos os poros.  Seu enorme coração ia em ritmo taquicárdico. Confesso ter ficado receoso que meu amigo esculápio mais jovem infartasse. E morresse ali mesmo em meus braços.

Já refeito de seu súbito mal estar falamos por um dedal de minutos: “Paulo. Cuidado! Você, nesta correria toda pode ter um infarto. Previna-se. Depois diga que eu não te falei.”

Ambos tomamos o mesmo elevador. Ele parou no terceiro andar. Eu, no sétimo.

Agora, de cabeça fria. Pensando melhor. Quem está propenso a ter um infarto?

Eu ou meu amigo Leandro Furtado? Ri melhor aquele que tem o costume de se exercitar regularmente como eu?

 

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