Dá pra acreditar?

Sempre fui um crente na boa índole das pessoas.

Não faço prejulgar.

Pra mim cada um tem uma coisa boa a nos ensinar.

Mesmo que este ou aqueloutro não corresponda ao meu conceito intempestivo. Quando, pela vez primeira, meus olhos nele pousei.

Quantas vezes fui ludibriado no meu pré julgar. Pensava que aquela pessoinha cujos olhos me passavam candura e bondade acabei me equivocando. E foi justamente ele, ou ela, pela qual tanto me afeiçoei, que terminamos por nos despedirmos. E cada um pro seu lado nunca mais nos vimos de novo. Ainda melhor ter sido assim. Não assado.

Ontem, todo feliz por ter inserido novos peixinhos, sobre os quais pensava serem companheiros, pois teriam de compartilhar a mesma piscina onde não se pode nadar. A não ser os peixes aquarianos. E não é perimido pescá-los. Ordem minha. Ao final do dia uma cena esdrúxula me fez mudar de ideia sobre a falsa amizade entre peixinhos aquarianos.

Nada lhes faltava. O oxigênio borbulhava sem cessar propiciando-lhes ar fresco e um aquário amplo e límpido. A ração era distribuída a cada manhã quando chegava ao meu consultório ainda ao acordar do sol e ver dormir a lua.

Ao vê-los abrirem as boquinhas famintas a cata de farelos de pão eu me maravilhava de tão contente.

Eram peixinhos cada um era cada um. Uns maiores que sobrenadavam velozes no espelho d’água e outros que preferiam o fundo do aquário como os servis cascudinhos. Verdadeiros e imparáveis aspiradores de mofo do meu aquário.

Umas carpas listradas eram as mais vorazes. Elas me pareciam as comandantes do batalhão que não marchava e nem desfilavam na banda tocando instrumentos musicais.

Peixinhos menores. Que a mim pareciam tilapinhas em início de crescimento sobrenadavam tentando disputar entre elas as sobras que boiavam.

E foram justamente estas tilapinhas, que não eram, que me causaram o maior desencanto.

Naquela compra feita no dia de ontem foram colocados dentro da mesma água límpida e transparente uma espécie diferente. Eram uns peixinhos zoiudos. Feinhos como uma criancinha que desponta de dentro do útero materno. Seus nomes eram japoneses negros e de olhos estufados.

Encontrei-os, ontem pela manhã, de olhos enormes e carcomidos pelas falsas tilapinhas.

Um deles não resistiu à barbárie. E amanheceu mortinho da silva a boiar na superfície onde antes havia restos de ração.

Não tive como dar-lhe um sepultamento digno. Simplesmente, com um puçá, retirei-o. Com aqueles seus olhos exoftálmicos mordidos pelas falsas tilapinhas rajadas. E atirei-o janela afora esperando que ele avoasse. Era menos um peixe a nadar e a enfeitar o meu lindo aquário.

Já hoje, ao chegar a minha oficina de trabalho, o outro japonês, creio que irmão daquele extinto. O qual minha querida Zaninha tentou salvá-lo separando-o dos demais predadores. Deixando-o nadar livremente num frasco em cima do armário da minha copinha. Acabei encontrando-o sem vida afundado num palmo de água limpa. Ainda não sei o destino que a Zaninha irá dar ao jovem quase sobrevivente. Se ela vai atirá-lo pela janela ou vai deixá-lo apodrecer para ser dado aos seus matadores. Como uma prova cabal do que não se deve fazer aqueles que não nos querem mal.

A pergunta inicial que serviu como inspiração a esta crônica de hoje cedo é: “Dá pra acreditar?”

E eu estendo a questão. Dá pra crer nas pessoas? Elas merecem crédito?

Podemos emprestar dinheiro a elas sem medo de sermos passados pra trás? Ou iremos nos arrepender amaramente com a dívida que nunca vai ser paga. Nem que a vaca espirre ou tussa.

Ontem, na parte da tarde, como de costume fui malhar na academia do LTC.

Estava uma tarde esplendorosa. Deixei meu apartamento entre três da tarde e uns minutos mais.

Comecei pela esteira. A correr em marcha mais ou menos acelerada. Ao meu lado direito um senhor mais jovem do que eu me considero.

Ele usava óculos de grau e eu um bonezinho branco meio sujo.

Não sei exatamente a frase que nos fez retirar nosso foninho de ouvido. Eu ouvia, pelo Spotify, músicas de Marília Mendonca já falecida e convidada cantar no céu.

Ele, pra mim desconhecido ainda, talvez ouvisse pregações de algum pastor de sua igreja Sara Nossa Terra.

Logo nos fizemos meio amigos. Disse a ele que era médico urologista e escritor fecundo. Com mais de vinte livros publicados entre crônicas e romances.

Permanecemos menos de uma hora inteira correndo lentamente na esteira. Logo parti rumo a outro aparelho. E, em menos de uma hora fui nadar.

Ele, o tal pastor, que se apresentou como pastor Matos. Estava à espera de seu personal. Que chegou logo depois.

Despedi-me do pastor Matos não sem antes ser convidado ao culto do próximo domingo cedo na igreja Sara Nossa Terra.

Foi quando a ele afiancei que aceitaria o seu amável convite desde que apresentasse meus novos livros aos seus paroquianos.

E ele, amavelmente atestou um sonoro sim.

Antes acreditava nas pessoas e por vezes me atraiçoavam. Mesmo assim continuo a acreditar.

Este incidente acontecido no meu aquário não me fez descrer da bondade dos peixinhos aquarianos de água doce.

Mesmo que eles ataquem os mais fragilizados. E causem mortes e infortúnios aos vizinhos.

Agora me indago: “daria para crer na pregação dos pastores de seitas distintas? Ou seriam eles profetas do apocalipse? Ou pregadores de peças nos incautos sofredores?”

Ainda não tenho conceito formado. Espero em breve ter sim.

Deixe uma resposta