O estoico sobrevivente

Não é à toa que dizem – “a vida é combate, que aos fracos abate, e, aos fortes, aos bravos, só deve exaltar”.

A gente acorda, se levanta, lava o rosto n’água fria, para espantar o sono, penteamos o que resta de nossos cabelos, escovamos a dentadura que descansa dentro de um copo, à beira de nossa cama, e saímos pro trabalho.

Lá fora, ainda no amanhecer da aurora, começam a rosnar os problemas. E a gente, não apenas mata uma família de leões com suas senhoras, e aí sim, recomeçam novos percalços, como pedras espalhadas pelo nosso caminho, com aquelas que decantou Drummond.

Sobreviver neste status quo não tem sido fácil.

Preços pela hora da morte. Salários minguados como aquele pezinho de milho que não vingou.

A pandemia não dá sinais de recrudescimento. Em verdade faltam alentos para que a gente persista vivos.

Tenho um grande aquário de água doce. Melhor seria se fosse de água salina do mar. Pois dizem que peixinhos marítimos são mais bonitinhos, mais coloridos, no entanto, aquário de água salgada exige uma manutenção mais apurada.

A minha piscina espelhada, onde não se pode nadar, precisava de trocar a água, lavar as  pedras do fundo, tirar o lodo do caninho de oxigênio, e, debaixo de toda aquela podriqueira mal cheirosa, ainda restava lavar cuidadosamente o filtro biológico, que jazia tal e qual um defunto na parte inferior do meu aquário.

Eu não tive coragem nem capacidade de fazer tal e qual minha Zaninha fez.

E ela assim o fez.

Só restava um pobre e infeliz sobrevivente, não muito exigente, nadando naquelas águas quase pútridas, respirando com dificuldades, sem comida, sem amigos, sem nada, quase, fora a sua pessoinha listada.

A esforçada Zaninha, caridosa e dedicada enfermeira, salvou o peixinho listado de ser fritado na panela onde a gordura fervente espumava.

Elezinho foi deixado num balde enquanto a piscina era lavada.

Já hoje, quando cheguei ao meu consultório, junto ao sol que despertava preguiçoso de entre as nuvens, vi, juro não ser mais uma fake, este estoico sobrevivente almoçando, sofregamente, um pratão de lagosta recém tirada do mar, junto à camarões graúdos, tomando uma Heineken estupidamente gelada, em companhia do nada.

Foi a querida Zaninha, mais uma vez, veio em nosso socorro. Pois nós dois, eu e o peixinho listado, quase nos afogávamos num marzão besta como eu sou.

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