A partir disso, meti-me a poetar

 

(O último suspiro)

O velho

Uma vida já sem graça. Um copo de cachaça. Sem nenhuma companhia. O velho de bons modos. Fora esquecido por todos. Numa madrugada fria.

O velho tão descontente. Relembrava de toda gente. Com quem partilhou sua riqueza. Não tem mais nada, é pobre, nem eletricidade no cobre. Nem pão velho na mesa.

A vida cheia de nada. A roupa já remendada. O seu corpo já curvado. Por dentro tudo era preto. Pois ele não sabia ao certo. Por que fora abandonado.

E já sem qualquer defesa. Debruçou-se sobre a mesa. Como quem levava um tiro. Chegou ao fim do seu caminho. E, sentado ali sozinho deu seu último suspiro. José Carlos SC.

Aquele que pensa ser imune à velhice é só deixar que os anos compareçam. E depois não digam que não avisei. Dos tropeços e desenganos que a vida lhe oferece. Numa bandeja prateada. Da cor prata dos seus cabelos brancos.

Anos passam. O tempo passarinha. E eu, não mais criança, perco metade dos meus dentinhos. Só que eles não são de leite.

O tempo avoa. Não com a velocidade de uma águia em voo. Quem diz que pra nós, idosos, não velhos, pois velho me cheira a mofo. O tempo que nos resta nem deve ser lembrado quantos dias, meses, anos, levar-nos-ão ao sepulcro final. Que este dia tarde mais que nunca. Já que vivemos numa prorrogação.

Os anos passam. E a gente, inconsequentemente, não temos do que nos lastimar. Pois já sobrevivemos à infância, a mocidade se foi num átimo, a fase adulta ficou para trás. A velhice nos abocanhou com sua banguelice banguela. O sabor das coisas boas nem sentimos mais.

Pra gente é agora ou nunca. Não podemos perder tempo com a noite. A escuridão de um caixão me mete medo. E quem jura que iremos acordar para outro sono. Que seja eterno enquanto perdure.

O velho já viveu parte de sua vida. O que nos espera em outra vida ainda pra mim é obscuro.

Façamos agora ou nunca o que nos dá prazer. Agora é pra valer.

Ame, chore, alegre-se. Não deixe o riso contido. Ria, declame, poetize. E, se não puder poetizar, leia a poesia que melhor lhe aprouver.

Depois não digam que não te avisei. E fica aqui o meu conselho. Embora digam que conselho, se fosse barato não cobravam, nem pediam, muito menos mendigavam.

O velho, dizem que ficou rabugento. Não ouve bem. E, me pergunto: pra que ficar ouvindo baboseiras que dizem às suas costas vergadas pelos anos.

Se me deixarem numa casa de idosos, não reclamo. Passo o resto dos meus dias ouvindo o murmúrio do silêncio. Ou até mesmo a algaravia dos pardais.

Não percam tempo conferindo nádegas ao assento. Essas pobres bundas descarnadas podem se encher de escaras. De mofo, de cheiro ruim. Andem, corram, nadem. E se não tiverem aptidão para nenhuma destas coisas, sonhem, muito, nunca deixem de sonhar.

Borboletas vivem pouco. A pousar de flor em flor. Mas alguém viu uma borboleta chorar?  Simplesmente elas se desdobram em cores. Com suas asas frágeis, são úteis inclusive para polinizar.

Beija flores avoam velozes como o vento. E não se sujeitam a viver em conventos, enclausurados como freiras.

E, se fosse a vida eterna eu não viveria eternamente. Enquanto a saúde me bafejar. Enquanto o tirocínio tiver a capacidade de me fazer entender, pretendo por aqui estar. Até quando? Alguém vier me buscar…

 

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