“Quer mesmo saber? Eu tô só engatinhando pra trás”

Engatinhar. O mesmo que andar, nas primeiras vezes, antes de nos equilibrarmos em nossas patinhas, como um gato, usando as palmas das duas mãos, de um lado pro outro, titubeantes, sob os olhares atentos de nossos pais, sem sabermos que os bicos das mesas podem nos causar galos na testa, até mesmo acidentes inconsequentes, tal e quais gatinhos filhotinhos, os quais, no decorrer de suas vidas de sete delas, aprenderam a subir nos telhados, como gatos, animaizinhos independentes da gente, não tão submissos e amigos fieis como são os cães.

E, de tombos em tombos, de quedas em quedas, um dia a gente acaba aprendendo, depois de muitos senões, que na vida a gente tropeça, desequilibramo-nos, depois nos levantamos, assim de repente, subitamente, como aquela águia que bate o bico velho numa pedra dura, para que outro mais forte e resistente nasça, a gente, como águias, que resistimos a ser como galinhas, alçamos voos mais altos, embora estes mesmos voos sejam muitas vezes inalcançados. Pois a vida nada mais é que tentativas frustradas. Entremeadas de sucessos. Daí a gente muitas vezes tenta. E não nos cabe a hora de dizer: “pare de tentar. Você não tem capacidade de chegar aonde pretende. Contente-se com o rés do chão. Aqui é o seu lugar”.

Muitas vezes engatinhei. Tropecei, fui ao chão. Depois de muitos insucessos nas minhas tentativas vãs consegui. Enfim. Pus-me de pé. Caí. Me levantei.

Sempre sob os olhares responsáveis daquelas pessoas boas que me deram a vida. E ainda continuam a me orientar. Lá de cima.

Meus três netinhos engatinharam. Hoje eles correm, pulam, fazem diabruras intermináveis. Não mais consigo acompanhá-los nas suas travessuras. Oro para que eles três não se machuquem.

Cabe-me, neste ponto exato da narrativa, tecer algumas considerações sobre o que penso de envelhecer.

Um dia recebi uma mensagem via celular. Ela dizia assim: “Paulo. Você parou no tempo”.

Na hora pensei em algum contratempo. Era, em verdade, um elogio que versava sobre o meu estado de saúde nesta minha idade, dir-se-ia quase provecta.

Hoje conto com exatos setenta e dois aninhos. Se fosse assoprar velinhas elas correriam o risco de provocar algum incêndio.

Já engatinhei. Aprendi a caminhar sozinho. Já corri distâncias imensuráveis. Ainda corro um cadiquinho.

Antes corria até a minha rocinha prejuizenta. Dava uma volta imensa rodeando pelas estradas poeirentas. Caso fosse medir a lonjura de onde ia talvez fosse a mesma de aqui até a lua.

Lá, nos arrabaldes de Ijaci, cidade onde tenho amigos, conheço um velho compadre. Que, dada a sua idade, bem que poderia ser meu avozinho.

Seu nome é Zé. Poderia ser Mané. Ou quem quer que fosse.

Sempre o encontro, de volta pra cidade, assentado a uma laje de pedra dura, a frente de sua morada.

Não tenho como não parar, um cadiquinho. Tenho algumas selfies ao seu lado. Seu Zé dispensa apresentações. Pois, por aquelas bandas todos o conhecem.

Naquela tarde outonal, céu a irradiar beleza e formosura, numa amarelice de fazer inveja aos girassóis, deparei-me com sua figura prestes a fechar os olhinhos de sono.

Ele sorri quando o chamo de velho. “Velho, eu? Vosmecê está redondamente enganado. Velho é aquele sapato furado na sola. Que nem remendo se presta. Estou na flor da idade. Pode ser uma flor murcha. Mas ainda posso dar sementes. Que delas nascerão flores novinhas. Ainda vou viver, e, se morrer, escolherei um dia trinta e um de fevereiro. Pode dizer que esta data não existe, daí a minha intenção de viver eternamente. Eu tô só engatinhando pra trás. Sinto-me desenvelhecendo”.

Ontem me olhei no espelho. Ele quase trincou da minha carantonha envelhecida. Tentei ludibriar a mim mesmo. “Paulo. Pra você o tempo parou.”

Que nada, bondade daquela senhorinha linda. Em nada me pareço àquele personagem daquele filme épico: “o curioso caso de Benjamim Button”.

 

 

Deixe uma resposta