Coveiro cover

Quem ainda não se viu frente a um maço cheio de bombril?

Aquelas esponjas têm inúmeras serventias.

Além de dar lustro e brilho às panelas tintas de carvão, depois de serem usadas no velho fogão a lenha da vovó, o velho bombril tem serventia para melhorar o sinal da televisão, quando não se tem esta tal de tv a cabo, pela qual se deve de pagar alguns trocados, aquela esponjinha de fiapos de uma lã extraída através da usinagem de arame de aço carbono, quase tão antigo quanto aquela serra que daqui se avista emoldurando meu lindo horizonte, neste dia lindo começo de inverno.

Pessoas, sejam elas quem forem, algumas têm múltiplas utilidades. Se prestam a incontáveis usos. Já outras mal servem para lustrar as botas de um soldado raso. São desprovidas de utilidade. Passam a vida inteira sem deixar nada que lhes abone. Nenhum rastinho de bondade. Muito menos de amor ao próximo. Solidariedade, palavrinha linda, da qual ouvimos falar nestes tempos bicudos, com tantas catástrofes a serem noticiadas mundo afora. Aqui mesmo, em nosso país, enchentes, fome, gente dormindo ao desabrigo, balas perdidas encontrando alvos equivocados, e miríades de tragédias provocadas por nós mesmos. Bichos homens tidos como racionais. Embora aquelas criaturinhas latidoras, chamadas cães, são em verdade os melhores amigos que conhecemos.

Há tempos tenho uma rocinha prejuizenta, tempos passados, lá pelas bandas da linda Ijaci.

Dali não tirava renda. Muito menos fazia engordar meu saldo bancário.

Mas, ao ali chegar, admirando os canarinhos da terra ciscando o esterco do curral, cães abanando os rabinhos, contentes com a minha chegada, maritacas grasnando frenéticas a chegada das jabuticabas maduras, o galo cantar, o jacu piar, a vaca berrar, os porquinhos grunhirem, os cavalos correrem, a tarde fechar os olhos de sono, a lua se levantar, daquele lugar encantado não desejo mais me ausentar.

Há anos dei por mim que médico nem sempre dá conta de ser fazendeiro. Já que a nossa lida requer presença constante. Entendimento do assunto. Só ouvimos falar que o leite sai das tetas das vacas. E quando nasce um bezerrinho macho, raçudo, orelhudo, ele, pobrezinho, num futuro perto vira linguiça. E recebe o nome de gabiru. Sem saber que, num futuro perto, poderia servir como reprodutor. Ai que vontade de ter o mesmo destino de um touro rico de espermatozoides. Tendo ao seu dispor dúzias de novilhotas lindas, prontas a serem montadas.

Daí, depois de saber que vaca só dá lucro aos olhos espertos do dono, resolvi passar o bastão a um amigo. O amigo Betão, dono de um coração de onde se enxerga apenas bondade, honestidade, sempre pronto a um aperto de mão, quando dele precisar.

Aprendi que a cidade de Ijaci tem um grande e promissor potencial turístico. Com aquela represa linda a banhar suas terras. Com sua gente hospitaleira. Recheada de serras altaneiras. Local de onde se pode retirar da terra fértil verduras e legumes que nos fazem salivar.

Ijaci, pertinho de aqui, pra onde ia sempre montado nas próprias pernas, em correrias amalucadas como eu, acolhe-me sempre com um sorriso quando a fome aperta. E saboreio, à hora do almoço, com as delicias feitas no fogão a lenha no restaurante da afável Meirinha. Que nada mais é do que irmã de um personagem que ontem conheci.

Carecia de um bombeiro encanador, não enganador, como muitos que existem aqui e acolá.

Por indicação de um pedreiro, bom de garfo, melhor de colher de pedreiro, o Ronaldo da dona Nizia, ele me fez uma indicação precisa.

Não me declino em mencionar outros pelos quais sou grato. Que de vez em sempre me ajudam a sair de apertumes.

Max, da loja de material de construção, a ele o meu abraço. Ao Tales, marido da menina seriema, pai de dois meninos lindos, espero contar sempre com sua amizade sincera. Da mesma forma agradeço à prestativa Ângela, minha secretária do lar. Que conosco divide o mesmo teto. Tenho dúvidas há quantas luas serão.

São tantas as pessoas amigas, as quais têm a sorte de viver em Ijaci, cenário do meu romance Madest, me perdoem se não cito alguém.

Este bombeiro encantador, embora seja desapetrechado de total formosura, mais feio que rato sobrinho de tanajura descalça, é por lá chamado de Vanderlei.

Lei, Lelei, mete medo até em assombração pelado. Mesmo em lobisomem vestido de vampiro anemiado. Com aquela estatura de pintor de rodapé agachado. Com aqueles óculos escuros na tentativa inglória de esconder aqueles olhinhos embaciados. Com aquela testa ampla. Não sei se, por debaixo daquele bonezinho escuro se refugia uma calva luzidia.

Só sei que cada vez mais nada entendo do que se passa na cabeça oca do tal Lelei.

Durante a nossa curta viagem, do restaurante de sua irmã, até a minha fazendinha, fui sendo informado, inconformado, de detalhes da vidinha singela e simpático do amigo Lei.

Ele hoje mete bico até em fundos do pinico. Bombeiro nas horas de folga. Se é que ele tem tempo para o ócio. Cozinheiro de meia pataca ajuda no restaurante da Meirinha. Faz meio expediente na prefeitura. Ajuda o prefeito Fabiano e o grande secretário de obras conhecido por Toninho.

Mas ontem fui sabedor de outra função do recém achegado bombeiro não enganador.

Com aquela vozinha nascida nos cafundós de sua goela, ele me disse, num tom quase imperceptível: “sou ainda coveiro cover”.

Já conhecia cantor cover. Marido chifrudo que se deixa substituir por algum intruso madrugão. Mas coveiro cover nunca ouvi uma citação sequer.

O fato que quero deixar escrito, nestas mal traçadas linhas, é que nunca vi uma pessoinha de tamanho bom humor. Meio filósofo, encanta a minha dor.

O bombeiro Vanderlei, Lei, gente da prateleira de cima da cidade de Ijaci, receba, não apenas o meu muito obrigado. Minha gratidão eterna.

Desejo, de pés juntos, e papel passado, que, quando der meu último suspiro, que eu seja enterrado por você.

 

 

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